Quem viveu a 2ª grande guerra, deve ter se sentido assim, com o fim dos tempos às portas, com a sensação de que não restaria pedra sobre pedra, que o homem se destruiria até não restar um único ser vivente. Os dramáticos terremotos, maremotos e furacões que ultimamente têm varrido o planeta também dão essa mesma sensação, ainda mais quando o ser humano é considerado o grande responsável pelo chamado “buraco negro” e pelas dramáticas mudanças climáticas que vêm assolando o nosso planeta.
Ou então, quando o ser
humano perde a noção de civilidade como nas tragédias dos massacres humanos,
como no passado com o Holocausto, assim como com os atuais massacres insanos em
escolas, cinemas e shoppings, em que um adolescente, portando armas ditas “de
assalto”, sai atirando a esmo em inocentes. Parece realmente que o fim do mundo
está a caminho.
Mais uma vez, com o mais
recente massacre de inocentes numa escola americana por um louco portando armas
de disparos múltiplos automáticos e semiautomáticos, vem à tona a velha
discussão sobre o porte livre dessas armas de guerra pelos civis americanos, e a
Associação Nacional do Rifle (a NRA), poderosa entidade com grande
representatividade política na América, ressurge com declarações insanas e
irresponsáveis, tais como: “se os professores da escola tivessem armas como as
do assassino eles teriam conseguido salvar os alunos daquela escola”.
Devaneando em torno dessas
traumáticas notícias sobre massacres de inocentes e da inusitada notícia do fim
dos tempos que estava “marcada” para meados de dezembro, não pude deixar de
pensar em cinema. A sétima arte já mostrou o Holocausto em inúmeros filmes e os
massacres de humanos inocentes em guerras e em chacinas políticas e raciais. E
a volta, na mídia, da NRA, fez lembrar-me do finado presidente daquela
associação, o ator Charlton Heston.
“A vida não é filme” diz
Herbert Viana, vocalista do Paralamas do Sucesso, na música “Ska”. Realmente se
pensarmos, por exemplo, num personagem de um filme, nem sempre o ator que o
interpreta retrata a personalidade daquele personagem que tanto nos marcou.
Quando ainda adolescente, já fascinada pelo cinema e com
tendências revolucionárias e anarquistas, me “apaixonei“ pelo personagem Taylor
(o protagonista do “Planeta dos macacos” vivido pelo então ator
Charlton Heston) para então décadas depois, totalmente desiludida, me deparar
com o ator como um petulante e reacionário presidente da tal associação de
rifles dos EUA (leia sobre o documentário “Tiros em Columbine”, aqui no blog, em novembro de 2010, com o ator em entrevista decepcionante ao diretor Michael Moore), tão diferente do personagem que um dia me encantei pela
bravura e defesa dos fracos e oprimidos.
Quando o pioneiro “O Planeta dos Macacos” foi lançado
nos EUA em 1968, o “ano da revolução”, eu, ainda menina numa cidade do interior
do estado do Rio de Janeiro, passei ao largo do processo da ditadura até que,
uma década depois, já adolescente, na transição do processo político sob a
eminência da democratização que estava por vir, esse e outros filmes ditos
“subversivos” foram gradativamente sendo liberados pela censura e já podíamos
ter acesso pelo então “Corujão da Globo”.
Antológica a cena final em que
o personagem Taylor cai de joelhos, estarrecido, quando descobre que estava o
tempo todo na Terra, que enfim o homem tinha conseguido destruir o planeta e a
si mesmo, ao ver a Estátua da Liberdade totalmente destruída, com parte dela
soterrada na areia de um mar deserto que nada mais era que a ilha de Manhattan
que estava o tempo todo ali.
Já o filme “O senhor das
armas”, do diretor Andrew Niccol, realizado em 2005, foi inspirado no russo
Viktor Bout, considerado o maior traficante de armas do mundo, que foi preso em
2008 e condenado no ano passado a prisão perpétua.
O filme conta a história de
um traficante ucraniano radicado na América, e Ethan
Hawke é o policial que tenta desmascarar os negócios escusos do comerciante de
armas Nicholas Cage, que por sua vez só se interessa com o lucro do seu negócio,
sem se importar com as atrocidades que há por trás dele.
É gritante a amoralidade do personagem do Nicholas
Cage quando denuncia a hipocrisia que há por trás das grandes corporações,
quando diz para o irmão viciado que “cigarros e carros matam mais que armas”. Ou
quando, ironicamente, diz: “só não faço mais negócio com Bin Laden, porque o cheque
dele sempre volta”.
O "Senhor das armas" mostra toda a mecânica do tráfico
de armas com as relações de poder entre os países e a hipocrisia entre eles. É uma crítica mordaz à política internacional do
controle de armas, principalmente envolvendo o governo americano, denunciada
nos diálogos mordazes que rolam por todo o filme: “mais garantido mudar governos
com balas do que com votos”, ou “quem vai herdar o mundo são os traficantes de armas,
pois os indivíduos estão muito ocupados em matar uns aos outros”.
Na abertura do filme,
ouve-se a música “For what it’s worth” (que se tornou um hino político nos
conturbados anos 60), da banda Bufallo Springfield (Neil Young era um dos
membros da banda), cuja letra emblemática resume os conflitos entre povos,
raças, facções e religiões, em que ambos os lados não sabem nem o por que do
inicio do confronto (“There’s something happenin’ here. What it is ain’t
exactly clear. There’s a man with a gun over there, telling me I’ve got to beware”).
E enquanto rola a música e
os créditos da abertura, o diretor filma a
trajetória de “vida” de um
projétil de arma de fogo, desde a sua fabricação em série e como o mesmo percorre
o mundo indo finalmente parar na cabeça de algum jovem e pobre diabo do
terceiro mundo.
O diretor Andrew Nichols já era conhecido pelo brilhante roteiro do filme “O show de Truman” (quem dirigiu foi Peter Weir, o mesmo de “Sociedade dos Poetas mortos), filme que mostra Jim Carrey como protagonista de um obscuro “reality show”, numa crítica mordaz à grande mídia que nos cega e nos obriga a viver como autômatos. O “show de Truman” é praticamente a “Matrix” dos anos 90.
E o filme conta também, como trilha sonora,
com a música "Cocaine" com Eric Clapton, a envolvente e emotiva
"Hallelujah" cantada por Jeff Buckley, "La vie en rose"
cantada por Grace jones e "Mama Africa" cantada por um grupo chamado
"Young Bakubas".
O diretor Andrew Nichols já era conhecido pelo brilhante roteiro do filme “O show de Truman” (quem dirigiu foi Peter Weir, o mesmo de “Sociedade dos Poetas mortos), filme que mostra Jim Carrey como protagonista de um obscuro “reality show”, numa crítica mordaz à grande mídia que nos cega e nos obriga a viver como autômatos. O “show de Truman” é praticamente a “Matrix” dos anos 90.
O interessante é que o “Show
de Truman” (veja trailer no final do texto) nos remete de volta ao tema das
armas por conta da total ausência de reflexão da atual sociedade. A mídia impõe qualquer porcaria e a sociedade
a consome sem nem pensar, o que faz com que os governos e mercados tão
facilmente convençam os homens de que a guerra é necessária, que o consumismo
desenfreado é vital e que os civis estarão protegidos portando armas. E entorpecidos por um ritmo frenético de vida, manipulados
por meios de comunicação que nos dizem
como nos comportar e o que pensar, tornamo-nos uma fila de “bois mandados”
facilmente controláveis.
Voltando à questão das armas,
tanto no Brasil como nos EUA o cidadão não precisaria estar armado se houvesse
uma política e um governo que realmente controlasse a venda de armas, exigindo
pelo menos antecedentes criminais para a venda naquele país e desarmando os
criminosos no nosso, com uma política clara, consistente
e efetiva de combate à criminalidade e ao tráfico de armas.
No Brasil o filme campeão de
bilheteria “Tropa de elite” mostra como a população de bandidos está tão
equipada quanto a nossa tropa de elite, em matéria de armas de disparos
múltiplos e de longo alcance. Também o filme "Elefante", de Gus Van Sant (trailer no final do texto) foi inspirado no famoso massacre da escola Columbine, e mostra a facilidade dos jovens americanos em ter acesso a armas de altíssima precisão e poder de fogo que, junto com a prática do "bullyng" e a política do "looser", completam o caldeirão de conflitos nessas escolas americanas.
Em 2005, houve o referendo popular sobre a proibição da
comercialização de armas de fogo e munições no Brasil. A maioria da população brasileira
votou pela não proibição da venda de armas (a mídia ajudou a convencer o povo
mal instruído), mas pelo estatuto do desarmamento continua sendo crime um
cidadão comum brasileiro portar arma, ou seja, o cidadão deve mantê-la em seu
domicílio ou em seu trabalho para sua defesa nesses ambientes, mas o que vemos
na prática são acidentes domésticos com crianças e adolescentes curiosos, e
indivíduos que legalmente compram a arma mas ilegalmente a mantém em seu
alcance, envolvendo-se em brigas de trânsito, em brigas passionais entre casais
e em discussões fúteis sobre futebol em bares.
O que, no passado, se resolveria “no braço”, agora é fácil,
todo mundo vira macho com uma arma na mão, e se defender de bandido “neca de
pitibiriba”, pois bandido no Brasil tem arma “de assalto” e aprende a atirar, enquanto
a maioria da população comum brasileira não tem a menor noção de como atirar nem com uma arma comum, mas vai no embalo da mídia, vota a favor e compra a arma.
“Anarquista” que sou, na época do plebiscito de armas
no Brasil, eu me envolvi em vários embates com pessoas que insistiam em me
convencer a votar a favor da venda de armas para civis - alguém já tentou
atirar com uma arma de verdade? Pois eu já tive oportunidade, é muito difícil,
perde-se facilmente a mira ao se apertar
o gatilho, é preciso calma, sangue frio e muito preparo e treino para encarar
um bandido que, esse sim, tem sangue frio, e prática inclusive. No fim, são
inocentes que acabam pagando o preço de se ter uma arma em casa, tanto no Brasil como nos EUA.
Na América, já está provado que,
nos estados onde foi proibida a venda dessas armas, o número de mortos em
assassinatos em massa cai na proporção de mais de 50%, e no Brasil não há de
ser diferente em relação a acidentes domésticos e brigas fúteis no trânsito. Precisamos acabar com essa nossa mania de querer copiar tudo da América, aliás, tanta coisa boa para se exportar da América tais como o jazz e o blues, mas nós só assimilamos o que há de ruim e podre nos EUA.
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