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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

"V de vingança" e o fenômeno da internet "Anonymous"

O cinema, como sempre, é inspirador e, como costumo dizer, uma fonte inesgotável de enriquecimento cultural. O filme “V de vingança” (dos mesmos criadores da trilogia "Matrix"), que estreou no telão em 2006, foi baseado num romance gráfico homônimo em quadrinhos, publicado na década de 80, e conta a história fictícia de um enigmático anarquista (que usa como codinome apenas a letra “V”), numa Grã Bretanha futurista, que tem como objetivo iniciar uma revolta popular contra o regime fascista que se instalou no seu país após uma guerra biológica.

Para tal intento, e por seu rosto ter sido deformado, como cobaia, num experimento biológico, o personagem fictício “V” usa uma máscara simbólica que representa o verdadeiro soldado mártir Guy Fawkes, que viveu na Inglaterra do século XVII. O tal soldado inglês católico, um perito em pólvora, foi executado na forca, por traição à coroa inglesa, por tentativa de assassinato do rei protestante Jaime I (da dinastia Stuart), no episódio verídico conhecido pelo povo britânico como “A conspiração da pólvora”, em que o soldado pretendia incendiar o Parlamento inglês, durante uma sessão, onde estariam reunidos o rei e os parlamentares, porém o plano foi descoberto antes do feito e o soldado então enforcado. Em toda a Grã-Bretanha, na atualidade, no dia cinco de novembro, o episódio é lembrado todo ano, quase que folcloricamente, pelo povo inglês, como “A noite das Fogueiras”, com malhação de bonecos e fogos de artifício.
Fã do soldado histórico revolucionário, o anarquista “V” da ficção (no cinema, o papel coube ao excelente ator Hugo Weaving, o agente vilão Smith de "Matrix", e Natalie Portmann é a atriz que divide a maior parte das cenas com o ator) faz uso da tal máscara para manter-se incógnito e esconder o rosto deformado, e invade circuitos de TV transmitindo diretamente para o público seus pronunciamentos, ameaçando levar a cabo os planos da “Conspiração da pólvora” e o incêndio do Parlamento que foi impedido no século XVII, caso suas reivindicações não fossem atendidas pelas autoridades governamentais.

O desenho da máscara sinistra (com sobrancelhas arqueadas, bigode e barba pontuda – veja no final do texto) foi criado na década de 80,
por um designer gráfico chamado David Lloyd (responsável por toda a parte gráfica do romance), mas só foi popularizada em 2006 no filme “V de vingança” (veja trailer no final do texto) quando as tais máscaras foram confeccionadas pelo estúdio de cinema Warner Bros, e distribuídas (como acontece numa das cenas do filme) para o grande público, na época do lançamento da película, como brinde para promover e divulgar o mesmo. 

Dois anos depois, em 2008, um ainda desconhecido grupo de hackers militantes defensores da liberdade de expressão, de nome “Anonymous”, usou as tais máscaras pela primeira vez durante um protesto contra a igreja da Cientologia (aquela do Tom Cruise), pois esta pretendia bloquear sites que divulgavam uma entrevista do ator falando sobre a tal entidade religiosa.

E, assim, o grupo “Anonymous”, um fenômeno da internet hoje mundialmente conhecido, cujo emblema é um corpo, sem cabeça, engravatado de paletó (veja vídeo do grupo no final do texto) passou a adotar a máscara de Guy Fawkes como parte da sua identidade. A tal máscara, por sua vez, passou a ser símbolo de protestos de milhares de “anônimos” pelo mundo afora, contra a ganância corporativista do capitalismo selvagem, como no recente episódio “Occupy Wall Street”, em setembro de 2011(veja no final do texto).

Até Julian Assange, o fundador do site de denúncias Wikileaks, usou a tal máscara no também recente protesto anti-capitalista “Occupy London Stock Exchange” – veja no final do texto, divertida sátira do lendário programa humorístico americano “Saturday Night Live” (há 36 anos no ar) com o ótimo comediante Bill Hader “travestido” de Julian Assange, interrompendo a fala de "Mark Zuckerberg" (na verdade o também humorista do SNL, Andy Samberg) do Facebook .

Tal a força do movimento que, os projetos de lei do congresso americano conhecidos como SOPA (“Stop Online Piracy Act”) e PIPA (“Protect Intellectual Property Act”) - no Brasil, chamados de "AI-5" digital estadunidense - estão sendo agora questionados até pela Casa Branca, depois de uma enxurrada de protestos (de “anônimos” e do grupo “Anonymous”, todos mascarados em uníssono) contra o fechamento do site “Megaupload”, agora no início de 2012 (veja no final do texto). E, como em toda manifestação revolucionária de massa, há "os contra" e os "a favor", dependendo da visão reacionária (ou não) de quem comenta a notícia (vide noticiários no Brasil e no mundo sobre "a nova ordem social", e  veja no final do texto os rapazes do programa brasileiro CQC aproveitando para informar sobre os hackers e fazer piada do momento atual).

No filme, uma multidão de londrinos marcha, sem armas, em direção ao Parlamento, usando as tais máscaras numa identificação coletiva e ao mesmo tempo de simultânea anonimidade, e na vida real nos vemos diante da apropriação de um símbolo com identificação universal, com o qual afloram protestos, também de anônimos em coro, em vários pontos do planeta. É o cinema, inspirador, misturando ficção à realidade, num filme carregado de ação e suspense, transformando ícones visuais (a máscara do Guy Fawkes) em consagrado símbolo de identidade e da anonimidade coletiva, com os atuais movimentos libertários de massas anticapitalistas e anticorporativistas.

Em tempo: Aproveite e assista também o excelente documentário “The corporation” (você encontra o DVD na sessão “cult” das locadoras - veja trailer no final do texto) que mostra como somos dominados, sem percebermos, e literalmente “engolidos”, por grandes corporações (como a Coca-cola, o McDonald’s e famosas marcas de vestimentas) e denuncia a exploração de mão de obra barata que há por trás dessas grandes e famosas marcas corporativistas, convocando-nos a adotar o tal do consumismo consciente, já que é tão difícil simplesmente não consumir. Provocante e obrigatório.















Um comentário:

  1. Ótima compilação sobre um assunto da hora, no sentido NÃO paulista do termo. Gostei muito.

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