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quarta-feira, 7 de abril de 2010

(500) dias com ela

Certa vez, ouvi uma frase, numa palestra médica, comparando a dor da angina (semelhante a do infarto) com a dor do amor não correspondido: "a angina é como o amor, dói muito.... e eu odeio sentir dor", e segundo o palestrante, a frase era de "autor desconhecido".

Podemos não saber quem é o autor da frase, mas podemos deduzir como é esse autor, ou seja, quem profere uma frase dessas (e quem a repete), tem medo do amor, e consequentemente da vida, portanto não vive, apenas vegeta, e nunca verá "o sol brilhar", pois vive das sombras, e não se aventura, por medo da queda, sem nem ter sentido a adrenalina do pulo.

Todos nós já juramos um dia "não mais nos apaixonarmos" toda vez que nos desencantamos com a paixão e o amor, mas essas juras são passageiras (ainda bem), pois quando menos se espera, lá está o cupido de novo a nos flechar, e "lá vamos nós de novo". É disso que se trata o filme que vou agora comentar.

O filme "(500) dias com ela" (veja "trailer" no final do texto) fala do amor, correspondido ou não. A história parece a de sempre, das comédias românticas e/ou dramáticas, "rapaz conhece garota e....", o que esperaremos então? Um final feliz depois de muitos desencontros? Ou cada um vai para o seu lado e viverão "infelizes para sempre"?

É, em geral não sai muito disso, mas esse em especial é um romance não hollywoodiano, nada novelesco, pior (ou melhor ?), é real, muito real, pois é a velha história do amor não correspondido, todos já viram e ouviram uma história como essa (alguém que você conhece já passou por isso, ou quem sabe, você mesmo),  mas a linguagem desse filme com suas saídas estratégicas tornam o filme divertido e  prá lá de inusitado.

O filme já começa divertindo-nos, já nos créditos iniciais, com a velha e batida frase "qualquer semelhança com pessoas do mundo real é mera coincidência", no entanto aqui o diretor provoca com  "especialmente você, Jenny Beckman" e a seguir ataca com "bitch" (prá quem não sabe, "vagabunda", ou mais chulo ainda, "vadia, vaca, piranha" em inglês)

– minha curiosidade de "cineasta e cinéfila amadora" me fez "ir atrás dessa tal Jenny", claro que a intenção do diretor é essa (o até então desconhecido Marc Webb, com apenas alguns curta-metragens na sua ficha técnica), afinal a pergunta que não quer calar: quem é essa tal "bitch” Jenny Beckman?  Com certeza alguém que deu um chute na bunda de outro alguém (mesmo fictício) só prá atiçar a curiosidade do espectador e deixá-lo "vidrado" no filme

– tirada inteligente e espetacular do cineasta (descobri nos "bastidores" que a tal Jenny deu um chute na bunda do produtor do filme e ele a "homenageou" nos créditos, ou então ela nunca existiu e é mais uma jogada de marketing bem bolada que funcionou maravilhosamente), pois qualquer que seja a verdade por trás dessa jogada, ela dá a dica da temática do filme, não é portanto uma história de amor, mas sim sobre o amor, como nós nos comportamos antes, durante e depois de uma paixão avassaladora, e qual o aprendizado final do amor, seja ele correspondido ou não.

Outra jogada sensacional do diretor, que faz com que o filme se torne inusitado, na sua forma de contar uma história simples e banal que todo mundo já viu, é a cronologia aleatória, são flashbacks não lineares, um vai e volta frenético no passado e no presente, prá contar os tais 500 dias na vida e romance do casal com seus altos e baixos, tendo como marcador do tempo vinhetas animadas mostrando os dias avançando e voltando, e com a pintura de uma árvore marcando dias felizes com folhagens verdes, e dias conturbados do relacionamento com as folhagens amareladas e ressecadas quando o rapaz está "no fundo do poço".

E a grande "vedete" do filme é a trilha sonora, que conta com "Simon and Garfunkel" cantando "Bookends", com direito a karaokês com o protagonista, um romântico incorrigível que cresceu ouvindo "The Smiths" (tem várias músicas do grupo como "There is a light that never goes out" e "Please, please, let me get what I want"). O ator Joseph Gordon-Levitt, quase um desconhecido do grande público (ele era o jovem alienígena da extinta série americana "3rd rock from the sun" com o veterano John Gleese), improvisa no karaokê cantando “Here comes your man” do grupo Pixies, 

e faz um divertido número musical, nas ruas do centro de Los Angeles, com "You make my dreams come true" da dupla "Hall & Oates" (conhecidos pela famosa "Jingle bell rocks"), enquanto a atriz Zooey Deschanel, que faz o par romântico com ele (e diferente do velho clichê, ela é bastante prática, nada romântica), também é ainda novata na telona (tem participações em filmes independentes e fez o papel da irmã do adolescente protagonista no filme "Quase famosos", que já comentei aqui no blog em dezembro de 2009) e também está ótima no karaokê cantando "Sugar town". Irreverente e avessa aos clichês, a personagem de Zooey é fã do Ringo Star, entre os quatro Beatles e a sua música favorita é "Octopu's Garden", do famoso bateirista.

E como todo o amor que começa e um dia pode acabar, a mesma imagem da amada que fazia o rapaz delirar de paixão, passa a ser motivo da revolta do rapaz que "jura nunca mais se apaixonar" quando descobre que não é mais correspondido na sua paixão. Contei o filme todo? Estraguei o final ? Claro que não. O filme é genial na sua maneira de contar o que todos nós já sabemos, vale a pena assisti-lo e você vai chegar a conclusão (que todos nós já sabemos) que sim, às vezes dói, mas não dá prá comparar com uma doença, como fez parecer o palestrante médico descrente de amor (e por isso mesmo infeliz por suas não escolhas),

porque nem sempre o amor traz só dor, e mesmo a dor da paixão nos faz crescer e nos impulsiona prá frente, que é o que vamos ver acontecer com o protagonista, depois dos tais 500 dias, suas reflexões acabam levando-o a redescobrir suas verdadeiras paixões na vida, reacendendo seu interesse, por exemplo, pela sua verdadeira vocação na profissão escolhida, até então abandonada. Acredito que nesses casos a frase mais sensata que cabe aqui é a do escritor Rubem Alves quando disse sabiamente: "Ostra feliz não faz pérola".

Prá terminar, cito também a frase do cineasta brasileiro Domingos de Oliveira que, certa vez, com extrema convicção e sabedoria, disse: “A relação e o amor entre as pessoas não existem para nos fazer felizes, mas sim para nos fazer vivos; mesmo se sofremos, o que realmente importa  é estarmos vivos”.  




































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