Imagem

Imagem

Select Language

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O dia do homofóbico enrustido

Só faltava essa!!! Quanto mais eu vivo, mais embasbacada eu fico com o homo-sapiens, que aparentemente deveria ser capaz de exercer o direito do livre arbítrio. 

Dois anos atrás, os nossos “honoráveis” políticos tentaram aprovar o ridículo “Dia do Orgulho Hétero”. Agora é a cura gay”. E mais, indiretamente querem proibir o homossexual de frequentar igrejas e templos sagrados. 

Como “adorável anarquista fico envergonhada diante de tanto retrocesso. Como heterossexual, me sinto constrangida por pertencer a essa maioria retrógrada, mas como mulher e feminista, me sinto parte dessa minoria perseguida e massacrada. É muita falta do que fazer desses políticos, com tantas leis importantes para serem aprovadas e ficam perdendo tempo com tanta babaquice!!! Parece mais que querem aprovar “O Dia do homofóbico enrustido”. 

Num Estado laico como é o Brasil (pelo menos, assim o é no papel), qualquer projeto de lei que envolva (pre)conceitos religiosos (e a homossexualidade, infelizmente, é um deles) deveria ser abortado. 

Já está documentado que, ao optar pela homossexualidade, um indivíduo perde pelo menos trinta direitos civis, o que não é justo, pois o Estado deveria garantir direitos iguais para todo e qualquer cidadão, qualquer que seja a sua escolha sexual. Sendo um indivíduo cumpridor de seus deveres civis, o homossexual deveria também ter todos os direitos civis garantidos pelo Estado. 

Ora, os gays não estão nem aí para os héteros e suas leis ridículas”. E, para provar isso, os LGBTTTs inauguraram uma igreja gay na capital paulista, extensão de uma entidade religiosa daqui do Rio de Janeiro. 

O “Dia do Orgulho Gay” só foi criado em protesto contra agressões gratuitas a homossexuais e afins, pois eles apenas querem ter o direito de andar na rua sem receio de ofensas e sem medo de serem espancados ou assassinados, apenas porque fizeram opções sexuais diferentes de uma maioria.

Esses projetos de lei apenas expõem o grau de retrocesso democrático da sociedade brasileira. Enquanto outros países evoluem, criando o dia internacional contra homofobia” (comemorado no dia 17 de maio), a sociedade brasileira se mostra cada vez mais retrógrada e, pior, enrustida, pois fingimos que temos a mente aberta”, e que não existe preconceito no Brasil contra negros, mulheres e homossexuais.

Até a Suprema Corte Americana, no retrógrado e machista estado do Texas, no início do ano 2000, se dobrou diante do caso Lawrence contra o Texas, admitindo que o Estado não pode invadir a intimidade e a privacidade de um cidadão  a partir de uma denúncia anônima, a polícia texana invadiu a casa do tal Lawrence, que foi preso em “flagrante” em sua própria casa junto com o seu parceiro de cama, sob alegação de atentado contra a moral e os bons costumes do Texas (no final do texto, vídeo sobre o caso e o julgamento)E um dos argumentos levantados pela defesa americana foi a comprovação científica de que a homossexualidade é quase universal em todo o reino animal. 

A revista “Superinteressante já publicou, mais de uma vez, sobre esses estudos em animais irracionais, e o que é peculiar é que foi demonstrado que também há homofobia no reino animal, que os veados-de-rabo-branco (logo quem!!!) héteros costumam atacar os que são homossexuais. Hilário, não? Pois, se transportarmos isso para o nosso mundinho, será que é esse o medo dos homo-sapiens homofóbicos, ou seja, são também viados-doidos-prá-dar-o-rabo? (só resta zoar da cara desses enrustidos).

Quem não se enquadra no contexto da maioria dominadora, tem que ser curadoAgora só falta inventarem alvejante para curar a negritude dos afrodescendentes!!! (detalhe, não esquecendo de usar esse ridículo termo politicamente correto, no caso da raça negra. Haja hipocrisia!!!).  

No passado, tentavam “curar” os canhotos, obrigando-os a tornarem-se destros, amarrando a mão dos pobres coitados atrás das costas; nós mulheres já fomos consideradas bruxas e queimadas vivas em praça pública na Inquisição (era a única cura” para quem não se enquadrava no contexto social da época)

Até os gagos também tiveram sua vez de “cura” na marra, era paulada na cabeça, susto, tudo para que fossem iguais a uma maioria, como conta o martírio que passou na adolescência um político gago (abaixo) na hilária entrevista no programa do Jô Soares.

A criação de um dia especial, para celebrar algo, tem a ver com a necessidade de se fazer lembrar datas marcantes e históricas que mudaram um cenário sócio, político ou econômico de uma sociedade, eis assim a justificativa da comemoração do dia do descobrimento e independência de um país, da abolição da escravatura e outros.

A instituição de um dia no calendário oficial de um país serve também como um alerta para quem é marginalizado socialmente, e significa criar visibilidade social contra injustiças e abusos contra minorias; esses dias marcam lutas pela igualdade social, numa sociedade machista, homofóbica e racista. 

Assim criou-se o “Dia da Mulher”, o “Dia da Consciência negra”, o “Dia do Orgulho gay”, o dia da “Marcha das vadias” (no final do texto,*link para detalhes sobre esse dia) porque mulheres, negros e gays são estigmatizados e trancafiados em guetos, cercados pela intolerância do homem-branco-hétero-machista (que nunca teve que lutar pelos seus direitos, nunca sofreu preconceitos e nem precisa se reafirmar diante da sociedade).

O “Dia do homem” (comemorado no Brasil no dia 15 de julho) foi criado visando incentivar campanhas de saúde masculinas tais como prevenção do câncer de próstata, assim como o “Outubro rosa” foi criado para promover campanhas maciças sobre câncer de mama e visando melhorar a autoestima das mulheres mastectomizadas.

A sociedade hétero-normativa enxerga a diversidade sexual como uma praga e usa conceitos religiosos arcaicos (que só geram preconceitos e intolerâncias) como argumento para justificar a homofobia, e ao que parece a criação do tal dia serviria para promover ainda mais o machismo, sob o ridículo pretexto de estarem fazendo “atos inerentes à heterossexualidade”, mas na verdade soa como reafirmação do orgulho de serem machistas e homofóbicos.

E como “tudo a minha volta me leva ao mundo do cinema”, me veio à lembrança o sensível e emotivo filme “Filadélfia” (com Tom Hanks e Denzel Washington) que põe o dedo na ferida, expondo a homofobia e o preconceito à diversidade sexual nas relações trabalhistas. E a bela música Streets of Philadelphia” de Bruce Springsteen (vídeo abaixo) acompanha o martírio do personagem homossexual e aidético.


E a soberania xenofóbica da chamada raça pura ariana, que levou às atrocidades do Holocausto e visava criar uma sociedade de indivíduos héteros de pele branca e olhos claros, é mostrada no suspense dramático “Os meninos do Brasil (com os veteranos atores Gregory Peck e Laurence Olivier). 

Como sempre a ficção antecede a ciência, no caso, a inseminação artificial e a clonagem, pois esse filme é do final da década de 70, antes da real criação desses dois avanços científicos, e deixa como desfecho final uma luz de esperança no fim do túnel” para a humanidade, fazendo-nos crer que nem tudo está perdido, que o ser humano ainda pode ser capaz de expressar sentimentos de alteridade e tolerância diante das diversidades inerentes à nossa espécie (trailer do filme no final do texto). 

A desculpa fajuta do vereador criador do tal projeto do Dia do orgulho hétero” (a lei não passou em 2011, mas do jeito que a coisa anda retrógrada, vão acabar voltando à carga para aprovação) é que estaria havendo uma “ditadura gay”, alegando que há “excesso de privilégios” para a comunidade homossexual “em detrimento da maioria heterossexual”, e que a comunidade gay é “chegada a bizarrices e excessos”, e a lei viria assim “em defesa do bom senso, dos bons costumes e da família”.

Mas..., e as bizarrices de programas héteros como “Big Brother”, e as mulheres praticamente nuas no carnaval, e a “dancinha da garrafa”, e a pornográfica dança funk (que mais parece cachorros no cio”), e a extravagância e a baixaria das mulheres-frutas (a transexual Roberta Close e o travesti Rogéria têm muito mais classe que elas) não são alguns exemplos de “bizarrices e atentados ao pudor do mundo hétero? 

É preconceituoso rotular todo e qualquer homossexual como extravagante e/ou promíscuo. Seria o mesmo que dizer que toda mulher de biquíni na praia é vagabunda ou periguete. No passado, mostrar o tornozelo já foi coisa de vagabunda”. Ou seja, os conceitos de atentado ao pudor mudam de acordo com a conveniência (e a conivência) da sociedade hétero-normativa, então está mais que na hora de evoluirmos e acabarmos com essas hipocrisias e pre(conceitos).

E não se deve confundir homossexualismo consentido entre adultos com pederastia, que é um crime sexual não consentido com menores do mesmo sexo (assim como é crime a pedofilia, que é praticada por héteros com menores do sexo oposto). Nesses casos, o que está em jogo não é a escolha sexual, mas sim a falha de caráter desses indivíduos (no caso dos pederastas homossexuais e dos pedófilos heterossexuais que se igualam em matéria de mau caratismo) ao coagir crianças indefesas a praticarem sexo não consentido. 

E leva a mal não, mas o macho heterossexual é muito mais chegado a promiscuidade, como um comportamento “normal”, se envolvendo frequentemente com prostituição, inclusive a homossexual, desde que muito bem camuflado (Ronaldo Fenômeno tá aí para comprovar), e o vídeo abaixo mostra essa realidade de uma maneira bem cômica. 


Este diferencial (entre escolha sexual e caráter) é mostrado de uma maneira bem divertida pelo grupo de comediantes de “stand up” do projeto humorístico paulista “Terça insana”, que vai na contramão do preconceito contra os homossexuais, na performance do humorista Marcelo Mansfield, na pele de um dos seus personagens, o mal-humorado “Seu Lili“, no esquete “Eu fico puto”, em que o comediante enfoca, de maneira hilária, que o que importa é o caráter e a competência de um indivíduo, independente de sua orientação sexual, repetindo o bordão “prefiro ter um filho viado” toda vez que ele se depara com um indivíduo sem caráter e/ou incompetente” (abaixo).

E se formos a fundo nesse contexto de sexualidade, descobriremos que a heterossexualidade foi um conceito criado cultural e historicamente, como mostra o historiador americano Jonathan Ned katz, no livro “A invenção da heterossexualidade”, que também analisa a quem interessa manter essa imposição que classifica a heterossexualidade como normal e bom e, ao contrário, a homossexualidade como anormal e ruim. 

Como mulher e feminista fico indignada, pois tais conceitos me fazem lembrar do preconceituoso princípio de Pitágoras, de 500 a.C., que estigmatizou a mulher até os dias de hoje: “Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher” (no final do texto, link* para o texto Mulheres são 100% bruxas?”).

E se, por um mero acaso, alguns héteros são perseguidos, eles o são pelas suas opiniões polêmicas, preconceituosas e machistas, e não por sua orientação sexual. E o tal vereador brasileiro, que queria aprovar o tal dia do orgulho hétero, ridiculamente reivindicava o “direito de xingar” um indivíduo na rua, sem ser rotulado de “homofóbico” se, por acaso, o fulano fosse um homossexual.

Só que o “ilustríssimo” vereador parece não perceber a carga de preconceito que vai junto quando se xinga um negro de “preto fedido”, ou diante de uma cantada vulgar na rua direcionada para nós mulheres, pois temos que seguir caladas e de cabeça baixa (porque ai de nós, mulheres, se nos queixarmos publicamente na hora, pois seremos xingadas de “histéricas e mal-amadas”, ou seremos crucificadas como piranhas e vagabundas fazendo cú doce). Pois foi assim que o mundinho hétero machista nos ensinou. E alguns héteros reclamam de serem abordados sexualmente por gays (é bom para eles sentirem na pele o que nós, mulheres, sentimos com a abordagem grosseira e de baixo nível de alguns machos héteros).

O peso de um xingamento é muito diferente se resolvermos xingar um hétero branco na rua, pois raramente ele será chamado de “viado, mulherzinha, bicha, piranha ou preto fedido”, no máximo será xingado de “branquelo”, ou seja, um xingamento sem nenhuma carga de humilhação.

E mais ridículo ainda em toda essa história é que essas leis partem da chamada Comissão de direitos humanos” (entre aspas, porque essa tal comissão, pelo visto, só defende os direitos do homem-branco-hétero-machista) e é gritante a conivência dos parlamentares nesses projetos esdrúxulos, mostrando o desrespeito à laicidade do Estado que, como no julgamento de Lawrence contra o Texas, não deveria tomar partido em assuntos que têm como base a referência de argumentos arcaicos religiosos erguidos contra homossexuais, o que só incentiva a violência gratuita contra minorias no Brasil (veja, no final do texto, no programa CQC, estatística sobre violência gratuita contra homossexuais).

Assim, qual a verdadeira justificativa para o ridículo “Dia do orgulho hétero”? Estão com inveja da “Parada gay”? Querem também um dia exclusivo para desfilarem na avenida? Só levando na sacanagem, porque mais ridículo que isso é impossível. 

A passeata gay “perturba” o trânsito uma única vez no ano, enquanto a torcida machista flamenguista, com o time ganhando ou perdendo, enche o saco da gente todo o fim de semana (pelo menos agora, temos “as meninas” alegres da torcida “Fla gay” dando um toque divertido ao time).

Os héteros estão sendo assassinados pela escolha sexual deles? Que eu saiba, não. Os héteros estão sofrendo humilhação nas escolas ou no trabalho pela sua orientação sexual? É óbvio que não.

Então, de que têm medo esses tais héteros? Os héteros são maioria no mundo, então por que tanta paranoia? A heterossexualidade não está ameaçada de extinção. Os defensores do tal dia alegam que os homossexuais exigem direitos demais” e que têm comportamentos esdrúxulos”. 

E ninguém questiona o comportamento dos héteros??? Os héteros têm medo de perderem o direito de escarrar no meio da rua? De perderem o direito de “limpar o salão” na rua, com o dedão indicador quase perfurando a narina, e depois nos cumprimentar com um aperto de mão todo melequento? De não mais poder coçar o saco em plena praça pública e de mijar fora do vaso? 

Quer comportamentos mais bizarros e esdrúxulos que esses??? O machismo de séculos nos fez acreditar que esses são comportamentos normais do homo-sapiens do gênero masculino. E, leva a mal não, mas para manter esses direitos, não é preciso ser hétero, basta ser porco. 

E, para fechar esse texto com chave de ouro, deixo o vídeo com os ótimos atores comediantes Pedro Cardoso e Luís Fernando Guimarães com o esquete do “milagre da (quase) cura gay” e o emotivo vídeo irlandês contra o bullying homofóbico. E os “Mamonas assassinas” (abaixo) bem que tentaram acabar com o preconceito com o famoso “Robocop gay” (“abra sua mente, gay também é gente”).

*link para detalhes sobre o dia da Marcha das vadias
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2012/10/virgindade-machismo-e-marcha-das-vadias.html
*link para para o texto “Mulheres são 100% bruxas?
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2009/11/mulheres-sao-100-bruxas.html








segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Rebobinando trinta anos atrás

 “Somos tão jovens”. Abro esse texto com trechos da música “Tempo perdido”, do Renato Russo. “Temos todo o tempo do mundo” e “não temos tempo a perder”.

Na transição das décadas 70/80, coincidentemente quando a banda “Legião Urbana” estava se formando, nessa mesma época, eu e mais 95 jovens (a maioria recém-saídos da adolescência), ingressávamos na Faculdade de Medicina de Campos, minha cidade natal (cidade interiorana norte-fluminense, machista e preconceituosa, como muitas outras cidades naquela época), a maioria desses jovens vindos de várias cidades do Brasil, do “Oiapoque ao Chuí”.

Apesar de ansiosos e, ao mesmo tempo, temerosos (pela novidade do ingresso numa futura vida profissional adulta), antes de tudo, como na música da cultuada banda, a sensação era de que éramos (e continuaríamos a ser) eternamente jovens e imortais, que nada nos deteria, e que tínhamos um mundo inteiro aos nossos pés a conquistar.

Parecia que jamais iríamos envelhecer. Talvez pela falta de fotografias registrando nossa infância, pois ninguém tirava fotos “a rodo” dos filhos naquela época (como acontece nos dias de hoje com a evolução tecnológica dos “instagrams” da vida), assim nossa memória fotográfica só começava a registrar o mundo a nossa volta na fase da adolescência, quando passávamos a questionar tudo (como qualquer jovem nessa fase da vida), e parecia então que nossos pais sempre foram de “meia idade” e que nossos avós já nasceram velhos, mas nós não, seríamos sempre jovens, eternamente jovens e imortais.

Passados exatamente trinta anos, fomos (quase) todos, nesse último fim de semana, para um hotel em Búzios para um encontro histórico da turma (por contratempos da vida, foi o meu primeiro encontro com a “galera” desde a nossa formatura, mas parte da turma já vinha se reunindo pelo menos a cada 5-10 anos).

Para surpresa de todos, um dos colegas de apelido Rocha”, numa visão futurista (o apelido/sobrenome parecia vir a calhar, pois um pouco mais velho que a maioria, talvez já tivesse a maturidade de uma rocha”, que nós mais jovens ainda não tínhamos), teve a perspicácia de guardar uma foto 3x4 da época de cada um de nós (de um arquivo da faculdade, que deveria ter sido descartada pelos monitores de uma das disciplinas, onde ele era um deles), imaginando que, quem sabe um dia, aquelas fotos virariam “quase relíquias”, e então as guardou cuidadosamente (e eu diria, saudosamente) durante todos esses trinta anos.

E, ao nos depararmos com aquelas fotos amareladas, ficamos todos maravilhados, cada um se reconhecendo no registro daquelas carinhas ainda livres de rugas (e de medos e preconceitos, que certamente teríamos com o passar da juventude) e ainda cheios de esperança por um mundo melhor,...afinal éramos uma turma de medicina, dali sairíamos “doutores poderosos prontos para consertar o mundo” (na época, um mundo torto e cruel num Brasil ainda sob o regime ditatorial militar).

A formação acadêmica iria nos modelar em direção à responsabilidade da profissão médica, mas naquelas fotos 3x4 não sabíamos ainda disso, afinal éramos jovens, tão jovens...



E, como amante da sétima arte, me lembrei imediatamente do vídeo “Sunscreen” de um discurso de formatura (veja abaixo e, no final do texto, *link para detalhes sobre a produção desse belo vídeo) com os belos conselhos enfim concretizados naquelas fotos amareladas de trinta anos atrás: “Depois de vinte anos, você olhará suas fotos e compreenderá o poder e a beleza da sua juventude, quando ela já tiver desaparecido” e “quanto mais você envelhece, mais precisa das pessoas que te conheceram na juventude”.



E, com a maioria completando meio século de existência, nos tornamos o “centro da atenção” em centenas de poses para fotos (clicados pelos vários flashes das câmeras dos nossos filhos, maridos e esposas e alguns já com netos), registrando aquele momento histórico das nossas vidas, os trinta anos de formatura para mais uma posteridade (provavelmente, no próximo encontro, o grupo vai estar dividido em “safenados” e “angioplastiados”), mas a sensação era de que voltamos todos no tempo, e parecíamos que éramos ainda aqueles mesmos jovens, tão jovens...

Alguns com a mesma carinha e sorriso (por baixo dos fatídicos “sinais da passagem do tempo”) e outros irreconhecíveis (a ponto de nos perguntarmos “quem é você aqui?” apontando a foto amarelada 3x4), assim, observadora que sou, fiquei admirando todo o grupo em bate-papos animados, ao som da banda ao vivo que tocava músicas dos nossos idos anos 80.

E tal qual uma fita cassete da época, fui rebobinando na minha memória, fatos guardados e aparentemente esquecidos no tempo (ainda bem que o Alzheimer ainda não me “pegou”) e saudosamente me vi de volta aos meus 18 anos de idade, naqueles imensos auditórios (que cabia os 96 alunos da turma), nas salas tipo “puleiros” assistindo a aula de anatomia no “cadáver modelo”, os trotes dos calouros que viravam festa na cidade (num misto de aprovação pelo acontecimento em si e de reprovação por conta da proliferação de repúblicas repletas de jovens desgarrados”), as paqueras e as frustrações amorosas durante a faculdade, e o temor das provas de Farmacologia e Fisiologia com a choradeira fatídica dos que não conseguiam (e dos que conseguiam também) aprovação na disciplina.

E jovens rebeldes em plena ditadura militar, claro que não deixávamos passar nada em branco, a turma dava o troco e tocava terror com o professor da tal disciplina (apelidado de “Paulo Boko Moko” pela turma), com a publicação de capítulos mensais de uma “novela” (que eram ansiosamente aguardados por toda a faculdade, e espalhados por todos os murais para desespero do tal professor) intitulada “Quem matou Paulinho Boko Moko?” (parafraseando uma novela famosa da época “Quem matou Salomão Hayala?). Era hilária a tal novela. No último ano da faculdade eu passei a fazer plantão com o tal professor, que na verdade era boa gente e, exigente, só queria o melhor para a turma.

E apelidos era o que não faltavam, e alguns simplesmente duraram toda a faculdade, a ponto de não mais nos lembrarmos do nome original dos colegas: a dupla “Vovó e Precioso” (de um desenho animado da época), nomes comuns ganhavam acréscimos para diferenciar um do outro, como o “Luís Piranha” e o “Luís Surfista” e outros ganhavam o nome da cidade de onde vinham como o colega “Ribeirão” e o colega “Uberlândia”.


E a lição de moral recebida pela turma, logo nos primeiros meses da faculdade, quando ainda calouros e jovens peraltas que éramos, ficaria marcada para sempre nas nossas mentes e corações: um dos colegas escreveu algo inconveniente, com giz, na testa de um dos cadáveres do “Anatômico” (a grande sala prática de anatomia) e o sermão do professor (“aqui jaz um corpo sem vida que hoje serve como estudo para vocês, mas que um dia teve alma, viveu e sofreu como qualquer um de nós, e devemos respeitá-lo como respeitaríamos um ente querido”) ficaria marcado para sempre nas nossas lembranças, como um preparo para a responsabilidade da profissão que iríamos abraçar, no juramento de Hipócrates, dali a seis anos.



Assim como Renato Russo, alguns da turma se foram, “desta para melhor” (levados pela AIDS, câncer ou acidente) e no encontro que acabou de acontecer no hotel em Búzios, nos recordamos deles com carinho, enquanto outros simplesmente “sumiram no mapa” e o silêncio que se seguia quando alguém anunciava o sumiço, denunciava telepaticamente o que todos provavelmente estavam pensando: “também não fez falta nenhuma” (ai, que maldade!!!).

E eis que no último dia da confraternização (foram três dias no hotel), um dos colegas, o Luís Piranha, sofreu uma ferida corto-contusa na perna ao escorregar próximo às cadeiras em volta da piscina  nada grave, mas o suficiente para o sangue jorrar em profusão pelo corte  e eis que, óbvio, voltamos mais uma vez à adolescência, com mais de 50 doutores ao redor do acidentado”, hilariamente gritando “emergência, chamem um médico”.

Logo surgiu uma maleta de primeiros socorros e já começou a gaiatice, enquanto o colega cirurgião providenciava o curativo compressivo, o colega proctologista se prontificou a fazer o toque retal, eu como cardiologista fiquei a postos para a cardioversão elétrica, e os colegas obstetras estavam indecisos entre cesárea ou fórceps, mas os pediatras garantiam uma sala de parto padrão para a pequena pança do nosso colega acidentado (rsrsrsrs). 

E foi mais um motivo para uma enxurrada de fotos, agora com o Luis Piranha com a perna enfaixada fazendo poses esdrúxulas para mostrar a perna acidentada, o que rendeu mais picardias adolescentes: “continua o mesmo piranha de sempre esse Luís”.

Passados esses trinta anos, só agora admitimos que jovens envelhecem sim, que nossos pais e avós também já foram jovens, e hoje, mais realistas e conformados, olhamos com carinho nossos filhos adolescentes/adultos jovens, tão “perdidos” como nós também um dia fomos; o tempo nos ensinou a desacelerar (eu ainda estou tentando aprender) e a aceitar as mazelas da vida, cada um carregando os seus pequenos (ou grandes) dramas pessoais, e a dar valor a esses encontros (e mesmo os desencontros) que a vida nos proporciona.

E, como cinéfila, para ilustrar esse meu texto que dedico a toda a nossa turma de “eternos formandos, indico o poético, emotivo e belo filme argentino “O filho da noiva” (sobre a necessidade de desacelerar e repensar as relações entre pais e filhos, principalmente diante das enfermidades irreversíveis), o mágico e fantasioso filme francês “O fabuloso destino de Amélie Poulain” (a sensível protagonista que acha uma caixa antiga de brinquedos e decide encontrar seu dono 50 anos depois), “Peggy Sue: seu passado a espera”, de Francis Ford Coppola (uma fantasia na volta aos tempos da faculdade, com uma ótima trilha sonora) e “Somos tão jovens” (sobre a trajetória da vida de Renato Russo e a formação da banda “Legião Urbana”) – trailers dos filmes no final do texto.

E parafraseando o famoso comercial: “tem coisas na vida que não tem preço, e rever a turma trinta anos depois foi uma delas”. E termino o texto parabenizando a todos nós, no nosso dia do médico (no próximo 18 de outubro).

*link para detalhes sobre o vídeo  “Sunscreen 
http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2011/12/efeitos-especiais-making-of-no-cinema.html










quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A sexualidade duvidosa dos personagens de games e quadrinhos

Enquanto o século XXI caminha a passos largos em direção a avanços tecnológicos impressionantes (e inimagináveis décadas atrás), ao mesmo tempo parece que o ser humano, ao contrário, involui como homo sapiens capaz de livre arbítrio, e volta a ser primata retrocedendo a arcaicos conceitos bíblicos que só trouxeram preconceitos e intolerâncias durante séculos, como acontece agora, de volta à cena, a ridícula “cura gay”, entre outros tantos retrocessos.

Como cinéfila e adorável anarquista, “já vi esse filme”. Fico perplexa ao perceber que passam os séculos, e o ser humano continua egoísta, mesquinho, massacrando minorias em nome de um “deus” malévolo e castrador, só por ser esta “tal minoria” diferente do “ser perfeito que Deus criou”.

Ora, se Deus criou o ser humano à sua imagem, Ele se esqueceu das “imperfeições” que criou?... e se Deus fosse gay ou negro? A tal “soberania” da chamada “raça pura ariana” é que levou a humanidade às atrocidades do holocausto; em contrapartida, o divertido filme brasileiro “O Auto da Compadecida” termina com a bela cena de “Deus disfarçado de negro e mendigo para testar a bondade dos homens” .



O patrulhamento em cima da individualidade alheia soa arcaico nos dias de hoje; cada um deveria ser livre para fazer suas escolhas, desde que estas não afetassem o bem estar da sociedade como um todo, e assim cada um poderia optar pelo seu próprio bem estar, ou seja, quem quer ter um relacionamento hétero, homo, inter-racial, ou mesmo ser casto, ou até poligâmico, que seja, desde que essa escolha seja compartilhada e aceita, sem restrições, pelo seu parceiro, o único interessado em questão.

Ou seja, a questão sexual de cada um deve ser de interesse apenas do casal, seja ele hétero, homo e outros; o que me incomoda são as falsas declarações, por exemplo, de mulheres traídas que fingem não ligarem para tal fato, mas interiormente se sentem inferiorizadas e preteridas, e mesmo sofridas continuam a aceitar as traições dos seus homens; o que não suporto são os enrustidos que fingem ter atração por mulheres, enganando-as por longo tempo, em nome de manter em sigilo sua verdadeira escolha sexual dentro do armário.

A hipocrisia e patrulhamento em relação a sexualidade não é nenhuma novidade nem mesmo no mundo dos gibis; por exemplo, sempre rolou a suspeita do envolvimento do Robin como a paixão secreta do Batman, e que este nunca “teve olhos” para a Mulher-Gato, mas sempre a questão foi camuflada, por conta da sociedade preconceituosa, e a dúvida não paira só sobre esses famosos heróis dos quadrinhos.

O que não dá para suportar é a hipocrisia dos enrustidos que, como é mostrado no vídeo sobre “a sexualidade duvidosa dos personagens dos games”(abaixo), por não admitirem “sair do armário” e ter que “prestar contas à sociedade”, os produtores desses jogos, às vezes, resolvem dar aos personagens um “ar de macho, fazendo-os xavecar de leve mulheres desavisadas”, numa atitude típica de enrustido que, quando começa a dar bandeira, tenta dar uma de pegador só para disfarçar, fazendo parecer que não é do babado.

Ao som de "Macho man" do Village People, de "I want to break free" do Queen e de Telma, eu não sou gay” (a versão hilária do cantor Ney Matogrosso para a música romântica brega “Tell me once again”, dos anos 70, do grupo “Light reflections”), o divertido vídeo dá um apanhado geral nas histórias camufladas dos personagens andróginos de games famosos, como a dinossaurinha rosa de nome Birdo, de sexo duvidoso, do “Mário Bros”, o (ou a?) doce Tales do “Sonic”, o metrossexual Benimaru do “King of fighters” e a personagem transexual de nome Poison, do game “Final fight” (“quem vê peitão, não vê pomo de Adão”, por sinal muito bem escondido, estrategicamente, por uma coleira no pescoço). Revelações hilárias nesse vídeo (abaixo).


A sociedade não tem que cobrar se o fulano transa ou não, e com quem quer ou não transar, isso só diz respeito aos envolvidos, e até quem quer viver sem sexo também não deveria ser cobrado como se fosse um E.T.

O belo romance “Na praia” (que em breve chegará ao cinema, e que segundo o autor britânico Ian McEwan, é baseado numa história verídica), conta a história de uma mulher apaixonada, nos anos 60 (pouco antes da revolução sexual), que, por algum motivo não explicado no livro, propõe ao amado manter-se casta, virgem, mesmo depois do casamento, e o amante ao invés de tentar compreendê-la e juntos tentarem solucionar a possível causa do temor de sexo da protagonista, ele a abandona e se arrepende disso pelo resto da vida.

Mas parece que nem tudo está perdido, parece que a hipocrisia está sendo lentamente vencida. Já existem personagens assumidamente homossexuais no mundo dos games e, claro, o cinema vem colocando abaixo preconceitos e encarando com naturalidade qualquer forma de prazer e bem estar no âmbito sexual. Existem casais (ele gay e ela lésbica) que desistiram de ir contra a intolerância familiar e se uniram, em comum acordo, como um cala-boca para a sociedade, mas pelo menos a quatro paredes ninguém engana ninguém, é mais honesto assim. 

Em contrapartida, outros tiram proveito do preconceito, como é o caso do ator e comediante Paulo Gustavo, que usa e abusa da sua condição de gay assumido, mostrando a dificuldade de quem é do babado de sair do armário, na peça teatral "Minha mãe é uma peça" (agora também na telona) - veja abaixo a hilária cena da Dona Hermínia avisando que o filho vai “encalacrar na viadagem, pois mãe faz vista grossa e o menino sabe toda a coreografia daquela nega a Cebion (o ator desde a adolescência faz imitações da cantora negra Beyoncé).



E para os que fazem cara de desdém e nojo quanto a assistir cenas homoeróticas no cinema, a verdade é que até sexo entre héteros, se for mal filmado, também pode ser esdrúxulo, como acontece em muitos filmes pornôs entre héteros, muitos deles extremamente broxantes tal a má qualidade das cenas e, ao contrário, filmes como “O segredo de Brokeback Mountain” e o recente “Flores raras” (do brasileiro Bruno Barreto, com a atriz Glória Pires) mostram cenas homoeróticas de muito bom gosto (trailers no final do texto); é uma questão do diretor saber levar a cena de sexo, podendo tornar a mesma envolvente ou broxante, seja ela entre héteros, homos, inter-raciais ou outros (como acontece em cenas de filmes de lutas de boxe, um talentoso cineasta pode conseguir transformar lutas horrendas e sangrantes em quase poesia). 

Ator completo e sem preconceitos, Sean Penn está excelente e “assumidamente gay” (veja no final do texto) em “Milk, a voz da igualdade” sobre a história verídica do primeiro político gay eleito nos EUA nos anos 70 que foi assassinado por outro político, este casado, pai de família e com preconceitos religiosos enraizados, mas aparentemente enrustido e mal-resolvido, que acaba depois se suicidando.

E em tempos de festival de cinema (que está acontecendo agora aqui no Rio de Janeiro) sempre rola fitas alternativas que procuram mostrar como é importante a tolerância e a compreensão da família e da sociedade em situações em que a sexualidade ainda está se formando, como no caso da adolescência, evitando-se assim preconceitos e maiores tragédias; assim cito como exemplos os belos filmes franceses, “Minha vida em cor de rosa”, do final dos anos 90 (a história do jovem que se sente e se veste como menina), e o recente “Tomboy” de 2011 (a história da garota que se deixa passar por menino), sobre adolescentes perdidos em meio ao aflorar da sexualidade, e como sempre o belo cinema europeu não faz apologia nem condena o comportamento desses adolescentes, o que está em jogo é o caráter do personagem, e fica a critério do espectador tirar suas próprias conclusões e ensinamentos (trailers desses filmes no final do texto).

É decepcionante para mim como adorável anarquista saber que em pleno século XXI ainda estamos nos preocupando com a cor das pessoas e a opção sexual delas, em ter que parecer feliz ao invés de procurar realmente ser feliz, e esquecemos que o que deveria realmente importar é o caráter do ser humano, o altruísmo, a alteridade das pessoas, mas essas qualidades parecem pouco importar num mundo em que é o Facebook quem “dita a moda e é a vitrine da futilidade e da mediocridade do ser humano. Lamentável.















Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...