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terça-feira, 7 de maio de 2013

O mockumentário "MPB: a história que o Brasil não conhece"

Um amigo me manda um comentário por e-mail (não sei por que sempre evitam comentários no próprio blog), sobre o meu texto anterior, no qual falo da “solidão da América Latina”.

O amigo critica o premiado escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez, como “intelectualmente indiscutível, mas ideologicamente nem tanto”, ao referir-se à postura do intelectual em relação à sua posição favorável a Cuba e à sua amizade com Fidel.

E eu retruco: Gabo deveria limitar-se à sua obra literária? Ou, ao contrário, deveria usar a sua popularidade em favor daquilo que ele acredita ser o melhor, ao seu parecer? É uma questão em aberto. As duas posturas me parecem legítimas, afinal ele é um civil com todos os direitos de um cidadão, e não deveriam patrulhar a sua liberdade de expressão (mas, nos anos 60, Gabito foi perseguido pela CIA, na sua estadia na América, por suas críticas a exilados cubanos, e acabou se vendo forçado a mudar-se para o México).

Gabo pode ter lá suas razões, afinal o embargo econômico da América sobre Cuba foi (e ainda o é) extremamente cruel, a ilha foi literalmente punida e sucateada por conta do embargo, mas o povo mesmo sofrido não aceitou o patrulhamento americano e não cedeu ao capitalismo selvagem,...é certo que o sonho socialista se foi e, aos olhos dos fervorosos capitalistas, eles se deram mal, mas... até que ponto temos o direito de nos intrometer e deduzir (e decidir) o que é melhor para um determinado povo?

O excelente documentário “Buena Vista Social Club” mostra uma Havana peculiar, charmosa, mesmo com seus prédios em ruínas, seus velhos carros americanos (cuja frota nunca mais foi renovada por conta do embargo econômico dos EUA), mas sabe-se que o povo é alegre e cantante na ilha,... e quem somos nós para julgar a vida deles, logo nós que achamos que “a boa vida se resume a um shopping-center e a uma caixa de sapatos para morar” (no final do texto, link* para o meu texto, escrito em 2011, intitulado “Musicais imperdíveis”, para saber mais sobre o ótimo “Buena Vista Social Club”). E em tempo: o grupo se encontra no Rio de Janeiro para apresentação única, nesta quinta feira, dia 09 de maio.


O que não me parece legítimo é a mídia jornalística que toma partido e que só divulga o que convém ao regime em questão, seja ele de direita ou de esquerda. E isso não só acontece nas ditaduras de esquerda. Ditadura é sempre ditadura, mas na verdade o que vemos é a perseguição direcionada para apenas um regime, no caso, os de esquerda (socialistas, comunistas, marxistas), mas não vejo a mesma vigilância e patrulhamento quando se trata de regimes extremistas de direita.

É preciso aceitar que um cidadão civil comum se posicione (contra ou a favor) frente a um determinado conceito, sem sofrer patrulhamento (como é o caso do escritor colombiano), mas à imprensa reserva-se a obrigação de ser apartidária, cabendo a esta denunciar qualquer forma de opressão, seja de direita ou de esquerda, doa a quem doer,... mas não é assim que acontece pelo mundo, e muito menos por aqui.

No meu texto sobre a América Latina, o meu questionamento passava longe da política (não sou "expert" em política, por isso meu blog é sobre cinema, pois esta sim é a “minha praia”), mas não sou alienada politicamente, e “anarquista graças a Deus” não me contento com notícias que me querem enfiar “goela abaixo”, não engulo qualquer notícia sem questionar "os dois lados da moeda", mas não é o que acontece pelo mundo, e muito menos no Brasil.

Aqui, no Brasil, o nosso PIG (partido da imprensa golpista) divulga, com estardalhaço, toda e qualquer notícia quando o assunto é ditadura de esquerda, corrupção da esquerda, mas... e as torturas de direita? E os corruptos da direita? E a opressão da liberdade de expressão por parte dos conservadores radicais da direita? Aí não é grave? Não merecem a nossa indignação? 

Ninguém questiona nada, mas...por exemplo, há quase uma unanimidade (e como dizia Nélson Rodrigues, "toda unanimidade é burra") no julgamento e condenação da ditadura cubana, mas se Cuba é tão radical assim, quanto à repressão à liberdade de expressão como dizem, como explicar a blogueira cubana Yoani Sânchez, "livre, leve e solta", propagando aos quatro ventos seu blog opositor tanto dentro como fora do continente? 

E, ao contrário, a pergunta que não quer calar: num país como os EUA, que se gabam como "o exemplo-mor da liberdade de expressão", por que a perseguição desenfreada ao jornalista e ciberativista australiano Julian Assange, do WikiLeaks? Assange sofreu acusações (provavelmente falsas) de estupro, para disfarçar a real condenação por denunciar e deixar vazar na web documentos secretos comprometedores sobre crimes de guerra cometidos por soldados do exército americano, obrigando o jornalista a pedir asilo político ao Equador. 

Não é um contra censo? Questionei isso com o colega no e-mail, tortura só é grave se for de esquerda? Por que, cargas d’água, só se divulgam os sequestros e torturas das FARCs, que são de inspíração comunista? Mas quase ninguém aqui no Brasil sabe que, na Colômbia, também os para-militares das antigas milícias de extrema direita torturam e sequestram na mesma proporção das FARCs, mantendo uma guerra civil, que desde a década de 80, vem sendo financiada pelo tráfico de drogas, com os dois lados em eterno confronto.

E a prisão de Guantánamo? Raramente a imprensa brasileira comenta sobre esta prisão, onde os EUA mantêm prisioneiros, há mais de 10 anos, supostos terroristas (mas sem nenhum julgamento oficial ou mesmo acusação formal) em pleno território cubano. Quase ninguém sabe disso, porque a nossa mídia de massa (a que chega ao povão) não divulga nada que não convém aos interesses escusos do regime capitalista.

O atual filme ganhador do Oscar, intitulado “Argo” (trailer no final do texto), mostra a história real de como o estadunidense foi capaz de mobilizar toda uma indústria de cinema, para divulgar uma mentira, e ainda posam como heróis, ... agora, pára e pensa, Julian Assange provavelmente é uma dessas vítimas de mentiras montadas pelos americanos, quando denunciaram o caso de estupro para condená-lo, já que não poderiam explicitamente condená-lo por divulgar os crimes e tortura de guerra dos soldados americanos.

Detesto me sentir manipulada, questiono sempre, não aceito facilmente qualquer notícia, e a rede plim-plim (leia-se rede Globo) e cias limitadas (jornais O globo, o Estadão, A folha, a revista Veja) estão com certeza mancomunados com o conservadorismo pró-capitalista.

Questionando a crítica do colega pelo e-mail, o meu texto tinha como objetivo  mesclar as nossas culturas e evitar a solidão dos demais latinos que chegam ao Brasil, que são muito mal recebidos, e voltam para seus países com uma péssima impressão do nosso povo, inclusive da nossa música, pois só entram em contato com a atual pobreza musical do nosso país, sem tomarem conhecimento da efervescência musical que rolou por aqui até a fatídica "década perdida de 80".

Como ninguém consegue entender o que aconteceu com a nossa música popular brasileira (MPB), um interessante curta-metragem, em forma de mockumentário (documentário não verdadeiro) levanta hipóteses conspiratórias sobre o declínio da nossa música durante a “década perdida" no Brasil, e questiona o que teria acontecido com a nossa MPB que, na década de 80, entrou num período de decadência, e nunca mais se recuperou (hoje é só a pobreza do axé music, o intragável funk com suas letras de baixo calão e as músicas sertanejas de corno com seus cantores de vozes esganiçadas e estridentes). 

Narrado pelo ator Caco Ciocler, o mockumentário “MPB: a história que o Brasil não conhece” tem "depoimentos" de vários artistas e produtores musicais, e levanta a hipótese de que houve uma conspiração estrangeira para destruir a música brasileira – o suposto complô teria sido descrito num livro intitulado “Firewood Operation”, escrito por um tal de Neil Jackman que, dizem, foi lançado e mal divulgado na América, e que apenas poucos exemplares chegaram ao Brasil.
O tal livro existiu? A conspiração aconteceu? Provavelmente não. O falso documentário cita o Michael Sulivan como um americano infiltrado, mas na verdade ele foi um brasileiro que adotou esse nome artístico americano, e compôs um monte de versões de músicas estrangeiras chatérrimas para as novelas da época. E como realmente, no primeiro "Rock in Rio", muitos artistas brasileiros foram humilhados, pelo público que queria assistir ao Fred Mercury e outras celebridades e não os artistas tupiniquins, a sensação de uma conspiração passa a ser até plausível de se pensar, mesmo que quase surreal.

E se o americano consegue simular um filme como “Argo”, mobilizando toda a indústria cinematográfica, em torno de uma mentira, para poder resgatar reféns no Irã (resultado da revolta e retaliação do povo iraniano pelo apoio dos EUA e asilo politico ao ditador Reza Pahlevi), por que não acreditar numa montagem de uma notícia falsa de estupro para comprometer o Julian Assenge que estava incomodando com sua Wikileaks,... e então dá para imaginar o poder deles no mercado fonográfico internacional no caso de uma suposta conspiração no Brasil. Quem sabe?

A verdade é que a música brasileira desde os anos 40 até os revolucionários anos da ditadura tinha alcançado um patamar de qualidade no exterior  a música "Aquarela do Brasil", no filme de Walt Disney, com o personagem Zé Carioca, "contracenando" com o Pato Donald, a nossa Carmen Miranda em Hollywood com grandes nomes do show business americano (vídeo de "Copacabana" com o irreverente Groucho Marx no final do texto), e o nosso grande maestro Tom Jobim cantando "Ipanema" com Frank Sinatra  e coincidentemente, logo após o término da ditadura, houve uma bestial infiltração de  pseudo-músicos fabricados por empresas fonográficas internacionais, importando músicas ridículas americanas, com versões medíocres, que massacraram para sempre a nossa MPB, e que até hoje não mais se recuperou.

E essa é a verdadeira solidão da América Latina: enquanto “nosostros” somos críticos ferrenhos um do outro e de nós mesmos, os norte-americanos aproveitam para divulgar ainda mais o conceito de que são eles os verdadeiros heróis e salvadores do mundo, e se promovem com filmes como "Argo", e espertamente têm o Oscar que internacionalmente ganhou força através de uma mídia que idolatra a hegemonia americana. 

Mas nem por isso sou contra os civis americanos. Tenho muitos amigos americanos. Não se deve misturar as coisas. É fácil se indignar contra terroristas que jogam bombas em civis na maratona de Boston, que promovem massacres nas olimpíadas de Munique e que atacam as torres gêmeas do NYC, mas os cidadãos civis americanos deveriam se lembrar de que tudo isso é reflexo da prepotência dos seus governos que, no passado, incentivaram e financiaram torturas (em vários países na América Latina, inclusive no Brasil) em nome da contenção dos ímpetos socialistas que ameaçavam a hegemonia capitalista, e para isso não hesitaram em financiar as torturas nos porões da nossa ditadura militar.

E foram também eles que bombearam atomicamente duas cidades japonesas inteiras (Hiroshima e Nagasaki) exterminando centenas de milhares de crianças e inocentes civis japoneses, mesmo com o país, do então “eixo do mal”, já tendo pedido rendição na segunda guerra mundial.

No meu texto intitulado "Espiritualidade sem religião: sagrada só a cultura" (link** no final do texto) que escrevi em 2012, cito o belo documentário “Promessas de um mundo novo” (vídeo no final do texto), que mostra a indignação do diretor, um judeu não ortodoxo, inconformado com a questão do Oriente Médio, que entrevista, ao mesmo tempo, crianças judias de Israel e meninos refugiados islamitas dos arredores de Israel, que não conseguem entender o por quê de tanta rivalidade entre seus ancestrais. Esta é a outra solidão do outro lado do mundo.

O aclamado historiador Eric Hobsbauwm que viveu o fim de seus noventa e tantos anos de sua longa vida (passando pela graça da bélle époque, pelo jazz, pelos ideais socialistas), se perguntava como as artes sobreviveriam ao assalto das massas e da internet, e acabou morrendo agora em 2012 desconsolado com o rumo medíocre que a humanidade como um todo estava tomando.

E, para quem quiser saber um pouco mais sobre a nossa MPB, acesse o link abaixo*** para o texto "Será que vamos virar bolor?" sobre a trajetória meteórica dos "Mutantes" e seu líder maior Arnaldo Batista, o Loki. 
*http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2011/04/musicais-imperdiveis.html
**http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2012/02/espiritualidade-sem-religiao-sagrado-so.html
***http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2011/06/sera-que-vamos-virar-bolor.html

E termino esse texto com o nosso irreverente Ney Matogrosso mandando um recado para a nossa América, em "Desperta, América do Sul".














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