E o texto não pára por aí, e ao lê-lo, fez lembrar-me de um papo que
tive, há algum tempo, com amigos homens que me indagavam qual seria, para mim,
o verdadeiro traidor: o homem que dá uma escapulida de vez em quando com uma
mulher qualquer que passou na sua frente, sem nenhum envolvimento emocional, e que
nunca mais vão tornar a se ver (num congresso, foi o exemplo do colega) ou
aquele que mantém uma amante fixa (uma colega do trabalho foi o outro exemplo) em
que o fulano convive todo dia e que acabou rolando um “affair” proibido. A pergunta
era capciosa, sugerindo que, para eles, pelo menos a primeira opção deveria ser
perdoável por nós mulheres.
Na época, respondi que “traição é traição, não importa as circunstâncias
que levaram a tal” e rebati a pergunta, indagando ao fulano: “e se a sua mulher
tivesse partido para uma dessas “escapulidinhas” sem compromisso?, ao que ele
inocentemente me respondeu: “não tenho essa resposta, porque nunca passei por
isso (coitados, os homens são tão seguros de si).
Em tempos de “periguetes” (o “tema da moda” nos dias de hoje), minha
resposta hoje continuaria a mesma, traição é traição, não perdôo traidores apenas
porque a traição fere minha auto-estima, me sinto preterida e o relacionamento
esfria sem chance de reconciliação.
Mas, pensando na concorrência desleal das periguetes (afinal, para o
homem, com elas não rola dúvidas no quesito “ou dá ou desce”) minha resposta
hoje seria jamais perdoar o homem que resolve ceder aos apelos carnais de uma
qualquer que surja na sua frente, pois isso fere muito mais a auto-estima do
traído (sinal que o sexo em casa não basta para o fulano, que precisa “afogar o ganso” na redondeza) do que
uma amante “fiel” (que o fulano conheceu no trabalho, por exemplo), porque
prova que o relacionamento oficial é que está falido e não havia busca por sexo
apenas, e uma convivência diária num trabalho pode fazer surgir sentimentos
nobres entre pessoas com algo em comum (mas ainda assim, não aceito a traição,
pois o fulano deveria antes resolver seu relacionamento falido e depois sim
partir para outro, pois é mais nobre e menos humilhante para o traído).
E, cinéfila que sou, elucubrando sobre esses diversos assuntos ao mesmo
tempo - traição, desejos reprimidos, casamentos falidos, homens seguros de si
quanto às suas parceiras e claro, a concorrência desleal das periguetes - não
pude deixar de me lembrar do inquietante “De olhos bem fechados”, de Stanley
Kubrick.
“De Olhos Bem Fechados” (título original “Eyes wide shut”) última produção do
consagrado cineasta norte-americano Stanley Kubrick, mergulha Tom Cruise e
Nicole Kidman em uma trama desconcertante que fala sobre desejos (recalcados e
não consumados, em sua maioria), fantasias sexuais (reprimidas em grande parte)
e (in)fidelidade no casamento (em geral falido).
Quem é cinéfilo e curte cinema procura se
informar de tudo que rola antes, durante e depois de uma filmagem, e assim os
boatos que circulam nos bastidores de um filme em produção chegam à mídia
sempre recheados de especulações e polêmicas, e não foi diferente na época do
lançamento deste inquietante “De olhos bem fechados”.
Na virada do século XX/XXI, morre o cineasta
Stanley Kubrick, deixando como legado, uma respeitável (e polêmica) filmografia
– dirigiu grandes sucessos de bilheteria e de crítica, entre eles “Laranja
Mecânica”, “O iluminado”, “Nascido para matar” e “2001, uma Odisséia no
espaço”.
Kubrick morre exatamente uma semana depois de
apresentar para a Warner a primeira cópia do que seria seu último filme. Perfeccionista
compulsivo, é bem provável que o diretor retocasse a obra antes de chegar ao
público, que mais parece uma obra inacabada, pois o final da película parece querer
agradar mais ao estúdio do que ao próprio artista.
Na época da produção do filme, surgiram lendas, mistérios e especulações
diversas sobre a obra de Kubrick. Os tablóides “revelavam” que Tom Cruise
apareceria vestido de mulher, que Nicole Kidman seria uma viciada em heroína, e
o casal (então ainda juntos, e um dos mais bem pagos de Hollywood),
participaria de orgias e cenas sados-masoquistas.
Na verdade, o filme começa bem ao estilo Kubrick, um verdadeiro gênio com
uma inquietude ímpar, um exímio visionário, sempre disposto a demolir toda e qualquer concepção
enraizada e pré-concebida, e que sempre voltou suas lentes para a alcova,
filmando sem pudor a loucura, o descontrole, a ambição e as fraquezas humanas (é dele “O iluminado”, “Laranja Mecânica”, “2001 uma Odisséia no espaço”) e esse “De olhos bem fechados” não é diferente.
Mas o conteúdo supostamente "polêmico" que os tablóides
insistiam em publicar previamente ao lançamento da película, simplesmente não
existe. O filme é, no máximo, tal qual seu diretor, desconcertante e inquietante.
Uma congregação secreta, dedicada ao hedonismo e ao prazer sem limites é
a única “polêmica” do filme e até hoje a obra sofre acusações de "apologia e culto ao satanismo" e outras bobagens do gênero, esquecendo-se que o bom cinema é aquele que não esconde do público a realidade da vida, mostrando que no submundo existe tais congregações. Isso não quer dizer que necessariamente o diretor aprova o contexto e assistindo ao filme é o que se atesta.
Na época gerou tanta polêmica que uma ridícula manipulação digital, por parte da censura americana, encobriu os órgãos genitais dos nus frontais femininos e cortou as cenas da famosa orgia dos figurantes mascarados (no Brasil foi exibida na versão original do diretor), que na verdade nada tinha de “caliente”, muito pelo contrário, Kubrick filmou cenas de coito extremamente gélidas e robóticas, denunciando uma sociedade reprimida e manipulada (os mascarados escamoteados) que ironicamente se revelou na prática, com a censura das cenas no mercado cinematográfico americano
No final o que se vê na telona é uma reflexão sobre a hipocrisia do casamento e a natureza do impulso sexual. É possível trazer à tona as mais inconfessáveis fantasias sexuais (e mulheres como a personagem da Nicole Kidman as têm, para desespero do personagem de Tom Cruise, e de quebra, um alerta para homens seguros de si como o meu amigo em questão) e voltar depois para o abrigo seguro da (in)felicidade conjugal?
Para terminar, ainda o suposto texto de Luís Fernando Veríssimo (vídeo abaixo): “Respeite a natureza, mulheres menstruam, choram por nada, gostam de falar do próprio dia e de discutir a relação. Você não suporta TPM ? Vire gay e case-se com um homem”. Simplesmente genial.
Na época gerou tanta polêmica que uma ridícula manipulação digital, por parte da censura americana, encobriu os órgãos genitais dos nus frontais femininos e cortou as cenas da famosa orgia dos figurantes mascarados (no Brasil foi exibida na versão original do diretor), que na verdade nada tinha de “caliente”, muito pelo contrário, Kubrick filmou cenas de coito extremamente gélidas e robóticas, denunciando uma sociedade reprimida e manipulada (os mascarados escamoteados) que ironicamente se revelou na prática, com a censura das cenas no mercado cinematográfico americano
No final o que se vê na telona é uma reflexão sobre a hipocrisia do casamento e a natureza do impulso sexual. É possível trazer à tona as mais inconfessáveis fantasias sexuais (e mulheres como a personagem da Nicole Kidman as têm, para desespero do personagem de Tom Cruise, e de quebra, um alerta para homens seguros de si como o meu amigo em questão) e voltar depois para o abrigo seguro da (in)felicidade conjugal?
Para terminar, ainda o suposto texto de Luís Fernando Veríssimo (vídeo abaixo): “Respeite a natureza, mulheres menstruam, choram por nada, gostam de falar do próprio dia e de discutir a relação. Você não suporta TPM ? Vire gay e case-se com um homem”. Simplesmente genial.