E o colega retruca: “tudo bem, lute, levante bandeiras, mas
direcione melhor o foco para obter resultados positivos, e para evitar que te
sobrecarregue em estresse inútil”. Sim, até concordo, mas já faço isso, apenas
o colega só me viu numa das muitas situações que me encontro ao brigar contra
injustiças e, equivocado, acha que só dou “murro em ponta de faca”, sempre.
Se fosse assim, eu não teria sido eleita unânime representante
da minha turma de mestrado. Ao perguntar, na época, por que me escolheram (já
que sou tímida e nem tenho espírito de liderança), a resposta foi: “porque você
é brigona, e quando você briga as coisas sempre acontecem, sempre melhoram” (é o reflexo das minhas boas "brigas").
Mas nem sempre é assim. Já perdi muitas “brigas”, e inclusive me
prejudiquei, por tentar “bater em ponta de faca”, tudo porque esperei apoio das
pessoas à volta (pois só uma andorinha em geral não faz verão), e infelizmente
as pessoas costumam se acovardar, se escondem, não querem se comprometer.
Mas eu não consigo me abster, tenho que me envolver, para mim é vital, só assim consigo botar a
cabeça no travesseiro e dormir tranqüila, com a sensação de dever cumprido,
mesmo que “a luta” não dê em nada (mas infelizmente não é assim com todos,
muitos se omitem numa clara alusão de “não é comigo, nem com os meus, então prá
que me meter?”).
Ao contrário, quando no passado tentavam me calar, eu não
era eu, me sentia anulada. A sensação de desconforto, aí sim, é enorme quando
eu não entro numa "luta", me sinto covarde se não lutar contra algo que acredito
injusto, me sinto omissa, conivente, e daí sim me vem uma sensação de angústia
por não ter feito nada, por não ter reagido, por não ter exposto meu ponto de
vista, por não ter me posicionado.
O colega em questão só conheceu um dos meus lados “brigões”
(uma das brigas ruins). Mas mesmo assim, me fiz ouvidos e deixei-o falar
(retrucando sempre, pois rebelde, não consigo ficar quieta sem expor meus argumentos para minhas atitudes). E foi assim que me lembrei da “Janela de Johari” e que sempre
reluto em aumentar meu “feedback”( já consigo reconhecer o meu “eu cego”, mas
ainda não consigo lidar com ele).
A janela de Johari é uma ferramenta de auto-conhecimento,
usada por psicólogos (inclusive o nome Johari são as iniciais dos dois
psicólogos que criaram a tal janela, Joseph Luft e Harrington Ingham, há cerca
de 50 anos) que mostra a interação entre a nossa auto percepção e a maneira
como os outros nos vêem.
Pode haver uma grande diferença entre a percepção que
temos de nós mesmos e a forma como os outros nos avaliam. Por exemplo, podemos
nos achar perfeccionistas, mas os que convivem conosco podem estar
insatisfeitos com essa nossa suposta qualidade, achando na verdade essa “perfeição”
um defeito, por tornar a vida delas um transtorno, por conta das nossas exigências
“perfeccionistas”. Outro exemplo, você pode se considerar uma pessoa sincera, mas os outros à
sua volta podem estar enxergando você como uma pessoa crítica, por conta de sua
“extrema sinceridade”.
Assim, a janela de Johari é dividida em quatro quadrantes que
auxiliam no processo de percepção do indivíduo em relação a si mesmo (veja o vídeo do programa "Saia justa" do canal GNT, antes de prosseguir):
O “eu público” ou “eu aberto” (ou “arena”) – é a parte
formada pela própria auto-percepção do indivíduo, igualmente percebida pelos
outros à volta (quanto mais transparentes somos, mais confiáveis seremos).
O “eu fechado” (ou “eu secreto” ou “fachada”) – só o indivíduo
conhece tais características sobre si mesmo ( muitos mal entendidos poderiam ser
desfeitos se nos abríssemos mais com as pessoas com as quais convivemos)
O “eu cego” (ou “mancha cega”) – é a área mais complexa, pois desconhecemos (ou
não queremos admitir) o que os outros percebem em nós. É a mais difícil pois
depende do feedback das pessoas que deveriam expor nossas falhas e defeitos,
mas nem sempre as pessoas querem se indispor com o próximo apontando seus
defeitos (e o contrário também é verdadeiro, nem sempre estamos dispostos a
ouvir e corrigir nossas falhas).
O “eu desconhecido” – compreende a área do nosso
inconsciente, ou seja, nem nós nem os que nos cercam conhecemos esse nosso
lado. Só vamos conhecê-lo quando formos
colocados diante de situações extremas em que pensávamos que agiríamos de uma
forma e ao contrário podemos reagir de outra (por exemplo, só saberemos como realmente
reagiremos a um assalto quando estivermos diante do mesmo).
A escritora e filósofa Márcia Tiburi, em seu vídeo intitulado “Branca de neve”, mostra os nossos sete
pecados, nossas “personas” escondidas no nosso íntimo, e como elas se misturam
para formar nossa personalidade, que dependendo das nossas relações inter-pessoais, recentes ou
antigas (no trabalho, no amor, na amizade, na família), vamos mostrando umas
mais que as outras, escondendo umas, revelando outras.
A par da “janela de Johari” e dos nossos “eus” e das nossas
muitas “personas” volto ao tema das minhas “brigas”. O tal colega (que me dá o feedback) na verdade desconhece o que há por trás das minhas brigas. Ele está tendo (como é muito comum) apenas uma visão parcial incompleta do meu "eu". É certo que minhas atitudes do
presente são conseqüência de uma omissão (praticamente involuntária) no passado. Fui lesada moralmente, num
passado distante, numa situação limite que me prejudicou profundamente (mas na época eu não tinha percepção disso), e temerosa escondi o fato de todos, e tentei apagar, em vão, da minha memória.
Foi quando, anos mais tarde, soube de outros que a seguir
também foram lesados, e não me perdôo por ter sido omissa, pois se eu não tivesse
ficado calada, se tivesse colocado “a boca no trombone”, outros não teriam
sofrido o mesmo que eu. Isso faz parte do meu “eu secreto” da janela de Johari,
mas os poucos que tomaram conhecimento em detalhe, bem sabem que eu não tive alternativa
na época, mas mesmo assim eu não me perdôo, minha omissão foi prejudicial para
muitos, e para compensar o meu silêncio, hoje reajo com indignação e denuncio toda e
qualquer forma de injustiça, mau-caratismo e falta de ética.
O problema é que eu sou impulsiva e tento me controlar, mas
nem sempre eu consigo – estou na terapia para tentar atingir um meio-termo (pois
jamais deixarei de ser “adorável anarquista”, gosto de ser "brigona", me faz bem ) – assim, enquanto não tenho auto-controle, minhas brigas ora são
boas ora ruins.
A última boa “briga” que me envolvi foi finalizada com uma carta
que escrevi direcionada ao meu chefe superior (que há chance de dar bons frutos,
segundo os elogios que recebi relacionados a esse meu manuscrito), cujo
objetivo é beneficiar todo um grupo (mas escrevi e sozinha assinei embaixo, já
que no passado pedi um abaixo-assinado do tal grupo que nunca aconteceu).
Já estou acostumada a esse desapego das pessoas por causas
que, aparentemente, não lhes dizem respeito (mas interessante, se gerar frutos positivos,
ninguém há de reclamar, se não, a única prejudicada prá variar serei eu, mas que fazer? não vou deixar de "anarquizar" só porque uns e outros se omitem). Sei que a ação de alguns é crucial para a melhoria de
muitos (e eu prefiro fazer parte da minoria que age, ao invés de esperar cair
do céu), mas se houvesse um maior comprometimento desses muitos, a melhoria
seria muito mais real, rápida e certa. Mas...
Um exemplo recente, dessa falta de compromisso das pessoas com
o próximo, presenciei há pouco tempo. Estava eu de volta do meu passeio de cruzeiro,
desembarcando no porto do Rio de Janeiro, em pleno sábado de carnaval e, prá
variar, a cidade maravilhosa tinha dado um “nó cego” no trânsito, por conta do
feriadão (maldita hora que não pensei nisso), e a informação era que a ponte Rio-Niterói
estava quilometricamente engarrafada, assim desisti do meu taxista que viria de
Niterói me buscar (na verdade, um paciente que virou amigo e me carrega para portos
e aeroportos) e decidi pegar um “táxi comum”, numa fila na saída do porto, para
ir para as barcas.
Eis que, já na fila (que não parava de crescer), debaixo de
um sol “castigante”, os táxis chegavam e, para surpresa de todos, de repente,
aparecia alguém (que nem estava na fila e tranquilamente saía de alguma sombra)
e dizia ter “chamado o tal táxi pelo celular” e assim embarcava e partia, sem
nenhum pudor.
Por conta desse abuso que seguia recorrente, o burburinho na
fila foi tornando-se irritante (já detesto ficar em fila, ainda mais com um calor insuportável e pessoas
reclamando uns com os outros), mas ninguém tomava uma atitude. Eis que o
próximo da vez era um casal de italianos, e toda a vez que eles se dirigiam
para o táxi que chegava ao ponto, alguém aparecia e tomava a vez deles, e sem
entender nada o casal dirigia o olhar para todos nós da fila, indagando em
italiano e “portunhol” o porquê daquilo estar acontecendo, e ninguém nada fazia
e nada dizia ao casal.
Assim, não perdi mais tempo, saí da fila e fui ao encontro do
casal. Eram dois idosos, e eu, também no meu portunhol e no meu italiano
sofrível, composto de pouquíssimas palavras (o cinema italiano é o meu único “professor”),
pedia desculpas (“mi spiace”) pelo comportamento deplorável do nosso povinho
brasileiro,
e passei a interpelar cada um dos que burlavam (tanto o taxista quanto os passageiros fura-filas) a vez do casal de estrangeiros,
explicando, calmamente, mas de forma enérgica e concisa, que “ali era uma fila de ponto de
táxi, portanto quem tivesse chamado um táxi por celular deveria embarcar fora
dali, nos arredores da rua”(é o que meu taxista sempre faz quando vai me buscar), pois atravancavam o ponto (com malas e mais malas), impedindo que os táxis
“normais” tivessem acesso ao local
– alguns foram até cordiais pedindo
desculpas, alegando não terem pensado estar “furando fila”, outros foram
grosseiros e praticamente trataram (a mim e ao casal de italianos) com
desprezo, dizendo rispidamente “vou pensar nisso, mas agora me dá licença,
porque estou com pressa e você está me atrasando” e eu dei meu recado também
rispidamente “então pense, pois no futuro quem sabe a bola da vez pode ser os
seus próprios pais”.
Tive adesão de alguns transeuntes da fila, mas a maioria
ficou impassível, apesar de reclamantes. Um dos amigos que estava comigo, me
diz: “Rose, muitos não têm idéia de estarem cometendo uma injustiça”, ao que eu
retruco: “mais um motivo para não ficarmos calados, pois só assim esses muitos terão
que começar a pensar sobre suas atitudes”.
Sei que não é fácil essa minha abordagem (por isso muitos se
abstêm), pois às vezes não fica só na rispidez das palavras, alguns partem para a ignorância e insultos, e eu, sangue quente que sou, não
corro da briga, e para mandar também um “fuck you” como resposta malcriada não me custa
muito (por isso o colega falou para eu “maneirar” nas minhas brigas, pois ele provavelmente se referia a uma dessas minhas brigas no trabalho que descambaram para esse lado
– em defesa da ética médica contra um professor mau-caráter).
Mas que fazer? Paciência. Sou “adorável anarquista”, mas não
tenho sangue de barata. Não consigo não me envolver, me comprometo e ainda
assino embaixo, literalmente. Não tenho medo de me expor. Alguém já disse que
“mulheres comportadas não fazem história” (acredito nisso, não no sentido do
“bom ou mau” comportamento sexual, e sim no sentido de submissão) e eu sou
dessas nada comportadas, nada submissas, eu não aceito nada que me queiram
enfiar “goela abaixo”, sem antes retrucar. Muitos insistem em me dizer: “Cuidado
com o que você fala e/ou escreve, podem usar contra você”.
É a patrulha dos “politicamente corretos” (leia-se “pensam
como você, mas não falam como você, por puro medo”). O que me faz lembrar de uma vez em que,
num papo informal num barzinho, eu falei:
“é o samba do crioulo doido”. Ao que
um amigo gaiato, no melhor da “patrulha dos politicamente corretos” , corrigiu: “ é
o samba do afro-descendente com surto psicótico”. Hilário. Stanislaw Ponte Preta (Sérgio
Porto) se estivesse vivo seria tachado de politicamente incorreto e teria que mudar o nome da música dele (veja vídeo no
final do texto).
Agradeço a preocupação dos colegas e amigos, mas ainda não me
convenceram que estou no caminho errado (meu “eu cego” entra em conflito com o meu “eu secreto”), e acho que
aqui vale o velho ditado “quem não deve, não teme”. E infelizmente, estou mais
para o “estilo Malcom X do que para Martin Luther King” (mas nenhum dos dois, cada um a seu modo, deixou de denunciar as injustiças sociais, mesmo sob a pena de serem assassinados, o que acabou por acontecer). E vale lembrar (aos omissos) das palavras de Martin Luther king:
“o que incomoda não são os gritos dos maus, mas sim o silêncio dos bons” .
Gostaria de ser mais pacifista nas minhas colocações, mas confesso
ainda não conseguir isso, sou impulsiva e autoritária, e meu “eu cego” (não tão
cego assim, pois já tenho plena consciência desta minha deficiência) não me
deixa ser moderada nas minhas palavras e atitudes (o difícil é corrigir isso,
mas estou empenhada nisso, com a ajuda da minha terapeuta). O ideal é não ficarmos cegos e nos abster dos julgamentos (via feedback, que tanto pode ser positivo como negativo) com falsas presunções, mas também não nos deixar abater pelo que nos dizem.
Mas consigo ser moderada quando escrevo, talvez porque por
ser tímida, eu não consiga expor com clareza meus pensamentos durante um
diálogo, e assim se sou mal interpretada, tenho tendência (devido a minha
impulsividade) a interpelar meu ouvinte, e o que muitas vezes deveria ser um
papo cordial, acaba se tornando um embate muitas vezes improdutivo, e como
também tenho o defeito de ser orgulhosa, às vezes me deixo levar por esse
sentimento, e a coisa pode descambar para uma ruptura entre os dois lados,
infelizmente.
Mas eu me dobro, não sou de todo orgulhosa, pois se me
convencerem que estou errada, eu juro que me dobro – mas o difícil é me
convencerem, pois em geral, o que acontece é o contrário, já que procuro ter
conhecimento de causa nas discussões que, por acaso, eu me envolva, e meus
argumentos são em geral convincentes, embasados em estudos e estatísticas, e
assim acabo dobrando meu “oponente” (é bem verdade que, às vezes, o meu
oponente também é autoritário como eu, e não satisfeito em perder na “queda de
braço”, sai da discussão, sem aceitar a “derrota”, e a ruptura ocorre então contra
a minha vontade).
No fim, o que posso concluir é que o ideal é que devemos evitar julgar as atitudes dos outros (e a nossa também), e sim nos manter atentos para os resultados que colhemos dessas nossas tais atitudes (e a dos outros), ou seja, se geram resultados positivos ou negativos, quaisquer que sejam estas atitudes. E pensando assim, colocando numa balança, minhas atitudes têm gerado mais pontos positivos que negativos para o meu psique e para as minhas relações interpessoais (às vezes demoram para reconhecer que a minha "briga" era construtiva).
No fim, o que posso concluir é que o ideal é que devemos evitar julgar as atitudes dos outros (e a nossa também), e sim nos manter atentos para os resultados que colhemos dessas nossas tais atitudes (e a dos outros), ou seja, se geram resultados positivos ou negativos, quaisquer que sejam estas atitudes. E pensando assim, colocando numa balança, minhas atitudes têm gerado mais pontos positivos que negativos para o meu psique e para as minhas relações interpessoais (às vezes demoram para reconhecer que a minha "briga" era construtiva).
A verdade é que não é nada fácil lidar com o nosso psique (e com o dos outros é ainda mais complexo), e somos todos falíveis (ou então atire a pedra quem acha que não tem teto de vidro). Um terapeuta por trás para nos auxiliar a, pelo menos, enxergar nossas falhas (resolvê-las já é outra batalha) pode ser o diferencial. Mas na minha opinião, antes de agradar aos outros, eu tenho que estar bem comigo mesma, e sem "brigar" decerto eu fico mal com o meu íntimo. Preciso só aprender a "maneirar" um pouco. Mas se for preciso, nada como o bom e velho "fuck you". Portanto, saudações "anarquistas".
E para ilustrar, deixo a homenagem do U2 ao Martin Luther King com as músicas "MLK" e "Pride" ("In the name of love") e, claro, não poderia deixar de citar o cinema – o trailer de "Malcom X" (vivido pelo excelente ator Denzel Washington, dirigido por Spike Lee) e o filme “Persona”, de Ingmar Bergman (leia sobre esse filme e sobre esse grande cineasta sueco, aqui no blog, na lista de filmes) que é o protótipo da crise de personalidade que o ser humano passa em alguma época da sua vida, um questionamento profundo do ser humano e da sua psique.
E para ilustrar, deixo a homenagem do U2 ao Martin Luther King com as músicas "MLK" e "Pride" ("In the name of love") e, claro, não poderia deixar de citar o cinema – o trailer de "Malcom X" (vivido pelo excelente ator Denzel Washington, dirigido por Spike Lee) e o filme “Persona”, de Ingmar Bergman (leia sobre esse filme e sobre esse grande cineasta sueco, aqui no blog, na lista de filmes) que é o protótipo da crise de personalidade que o ser humano passa em alguma época da sua vida, um questionamento profundo do ser humano e da sua psique.
Feliz Natal e Ano Novo repleto de experiências agradáveis Rosemary. Acessei hoje pela 1a. vez o seu blog. Identifiquei afinidades corpontamentais, afinal quem tem coração, fica indignado com injustiças e tem coragem suficiente para assumir posicionamentos como os que você descreveu no seu artigo. Também aprecio cinema e uso vários filmes em meus seminários. Aos 62 anos, com 37 anos de medicina dedicados à promoção da qualidade de vida e saúde, gostaria de contar com a sua participação em um dos debates que pretendo promover em 2013 sobre o tema "Desvendando o enigma do estresse".
ResponderExcluirAté mais.
Paulo Pegado
(21) 77110108
www.pegado.com.br