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domingo, 22 de janeiro de 2012

Cinema iraniano: poesia e arte driblando a censura


O cinema funciona, para mim, como um “portal” de enriquecimento cultural, pois quando assisto a um filme (sendo este de qualidade, é óbvio), imediatamente me aguça uma curiosidade sobre o tema em questão, sobre o país em que foi produzido, os detalhes das fotografias onde o filme foi rodado (jamais deixo de assistir os DVDs extras), fazendo-me aprofundar, mais e mais, no conhecimento e na cultura do povo do país de origem, daquele filme em questão, deixando-me cada vez mais “antenada” no universo ao meu redor, saindo assim do mundinho do nosso “umbigo” de sempre (leia-se “o povo americano e sua péssima influência massificada”).

Assim aconteceu quando me deparei pela primeira vez com o cinema iraniano. “O balão branco”, o primeiro filme que assisti dessa nacionalidade, trata-se de um singelo relato sobre uma menina iraniana que, como toda criança em qualquer parte do mundo (de qualquer raça, religião, e qualquer que seja o regime político do país) tem seus sonhos infantis – a história da menina pobre que sonha ganhar, na chegada do ano novo persa (que acontece em março), um peixinho para o seu minúsculo e improvisado aquário – e para tal intento, percorre as ruas da sua cidade no Irã, e se depara com um mundo de adultos que não estão nem um pouco interessados no seu pequeno, mas vital, problema no seu universo infantil. A simplicidade quase angelical e a persistência da menina iraniana numa terra pobre e sem recursos é cativante.

Pausa para reflexão – a minha curiosidade em relação àquele país ficou mais evidente quando assisti ao filme, pois me fez lembrar que o que chega até a nós, pela grande mídia, sobre o povo iraniano, são apenas seus regimes ditatoriais e suas aparentes leis islâmicas cruéis contra as mulheres e minorias, o que não parece combinar com a leveza e a beleza dos filmes iranianos, nos fazendo pensar: a quem querem enganar? Porque só conhecemos o lado negro daquele país? E não é assim que também somos vistos lá fora? Para o estrangeiro (seja o americano, o europeu, e todo o oriente), nós brasileiros somos vistos apenas como um país de miseráveis, de favelados e traficantes, que vive de corrupção, prostituição e marginalização (um ou outro lembra que temos futebol e carnaval, mas quase sempre com uma visão deturpada de um povo ignorante e irresponsável que vive apenas de fanfarra).

Tudo que eu sabia sobre o Irã (que chega deturpado como convém pela grande mídia capitalista) resumia-se a um país islâmico que trata a mulher à margem da sociedade, como um ser inferior e submisso, governos ditatoriais e a eterna polêmica do urânio nuclear   –  para descontrair, veja no vídeo abaixo, o humor do pessoal do "Gato fedorento" (famoso e divertido grupo humorístico de Portugal) brincando com a má fama do iraniano em relação ao programa nuclear de urânio.

E nesses filmes a gente entra no verdadeiro e diferente universo do povo iraniano, suas vestes, sua escrita de trás prá frente, sua solidariedade com o próximo, sua luta contra os preconceitos e contra suas leis perversas contra as mulheres e minorias, um povo a favor da paz (a maioria contra o programa de urânio do governo como arma nuclear, mas a favor para fins energéticos e medicinais) e contra a política ditatorial do país (veja abaixo, palestra do cineasta iraniano Mohsen Makhamalbaf denunciando a censura e a repressão política no país que vive sob leis ditatoriais há décadas.
Nova pausa para reflexão – já é de praxe, em “conversas de botequim”, satirizarem o cinema iraniano (por se tratar de um país do oriente sem muita repercussão na mídia), mas o interessante é que, praticamente quase todos os que fazem piada do cinema iraniano,
são pessoas que guardam “pérolas” como “Rambo”, “Conam o bárbaro” e outros trogloditas, como “filmes de cabeceira”, ou seja, não dá para esperar sensibilidade da parte de pessoas amantes desses tipos de filmes (ou seja, detestam “filmes cabeça”, mas adoram filmes sem eira nem beira em que rolam milhares de cabeças).

Assim, me “infiltrei” no universo do mundo iraniano, e descobri um monte de belezas inimagináveis, de um povo solidário, que luta para se livrar (como nós um dia) do regime ditatorial, de um povo que busca a paz (e não a guerra nuclear, como a mídia capitalista cisma em nos convencer), um país que, como o nosso, ainda tem muito ainda que avançar nas leis anti-preconceitos sexistas, raciais, sexuais, religiosos e políticos.

A safra de belos filmes iranianos é enorme, para um país que enfrenta há décadas a censura de um governo ditatorial, e que, apesar disso, consegue com filmes pequenos, com um mínimo de recurso financeiro, driblar a censura do país e ainda vencer vários festivais internacionais, como Festival de Cannes, Mostra de Veneza e Festival de Berlim (nesse ponto dá de dez a zero no nosso cinema brasileiro).

Em sua maioria são histórias neo-realistas que primam pela simplicidade de seus personagens, que em geral gira em torno de pessoas comuns do povo iraniano, na sua eterna batalha pela sobrevivência, com seus conflitos pessoais, suas crenças religiosas, seus temores, como em qualquer ponto desse nosso pequeno e, ao mesmo tempo, grande planeta.

O cineasta iraniano, de nome Jafar Panahi, que produziu “O balão branco” (também autor de “O espelho” e “Offside - Fora do jogo”) foi proibido, pelo governo ditatorial de Mahmoud Ahmadinejad, de gravar entrevistas e de filmar pelos próximos 20 anos, apenas por ter sido partidário do candidato oposicionista ao governo, nas eleições de 2009, quando o então ditador foi reeleito num pleito marcado por denúncias de fraudes.

O cineasta burlou a censura e conseguiu mandar para o Festival de Cannes de 2011 o seu “pseudo-filme” intitulado “In fillm nist” (“Isto não é um filme”) em que grava de dentro do seu apartamento (onde se encontra praticamente recluso), retratando uma personagem proibida de estudar no seu país, e ao sair gravando pelas escadas de seu apartamento é impedido pela repressão policial, e registra tal fato como se fizesse parte do filme em questão.

Como sugere o título, "In film nist" não é, de fato, um filme no sentido tradicional da palavra. Mas muito mais importante que isso, é um ato corajoso do cineasta que  mostra, com esse pseudo-filme, um retrato da situação de clausura que, não só ele mas muitos produtores de arte e cultura daquele país, enfrentam atualmente (já vimos esse "filme", aqui no Brasil, na nossa velha ditadura).

Já o poético "Filhos do paraíso" (a história singela da solidariedade e resignação de dois irmãos pobres, que dividem o mesmo sapato, enaltece a pureza da inocência e o poder do companheirismo), do diretor Majid Majidi, concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 1999, mas perdeu para "A vida é bela" de Roberto Begnini. 

O cineasta iraniano Asghar Farhadi, no suspense "À procura de Elly", aborda tema sobre mentiras (e suas dolorosas consequências) nas relações interpessoais, e agora o seu mais recente filme "A separação" (que já estreou no Brasil no Festival de cinema do Rio em outubro do ano passado), sobre o divórcio de um casal iraniano em conflito, é o mais cotado (já venceu vários prêmios europeus, e inclusive o Globo de Ouro, ganhando do já famoso "A pele que habito" de Almodóvar e do belga "O garoto da bicicleta") e o mais provável vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, que acontecerá agora no final de fevereiro ( o Brasil saiu do "páreo", não conseguindo classificar o nosso "Tropa de elite II).

"A caminho de Kandahar", filme dirigido por Mohsen Makhamalbaf (internacionalmente reconhecido no meio cinematográfico pelos famosos "O ciclista","O silêncio" e "Um instante de inocência"), inspirado na história de uma jornalista afegã radicada no Canadá que, atravessando o Irã, tenta chegar à fronteira do seu país de origem, disfarçada (coberta dos pés a cabeça com as vestes locais) para tentar resgatar a tempo sua irmã que pretende se suicidar no Afeganistão (onde fica a cidade e o deserto de Kandahar). O filme é interpretado em sua maioria por amadores e realizado em locações autênticas, com todos os riscos, já que foi rodado em 2001, em pleno conflito de guerra entre EUA e Afeganistão, o que torna o filme uma relíquia.  

Para ficar ainda mais por dentro da cultura iraniana, “Casa de areia e névoa”, apesar de não ser um filme iraniano (é de um diretor ucraniano), é um belo drama, comovente e humano, que conta a história de uma família de imigrantes iranianos na América (o patriarca da família é o papel do sempre majestoso ator Ben Kingsley, o eterno “Gandhi” do cinema), o confronto e a difícil convivência com os moldes e choques culturais, e que entra em atrito com uma americana (Jennifer Conelly num papel surpreendente) por conta de um impasse judicial na compra de um imóvel. Um filme imperdível.

“Persépolis” (nome da antiga capital do império persa, é hoje considerada “Patrimônio da humanidade” pela UNESCO) é um ótimo filme francês de animação, baseado no romance gráfico (autobiográfico e homônimo) da escritora iraniana radicada na França, Marjane Satrapi. A autora descreve sua adolescência de menina contestadora no Irã, na cidade de Persépolis, em plena Revolução Iraniana, até tornar-se uma adulta revolucionária, acabando por ser expatriada e se exilando na França. Concorreu ao Oscar de melhor filme de animação em 2007 (apesar de ter sido escolhido para representar a França na categoria de filme estrangeiro) perdendo para “Ratatouille”.

Enfim, o cinema iraniano é a prova incontestável de que o ser humano é capaz de superar adversidades e produzir verdadeiras obras de arte, singelas, mas humanas e reais. 
























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