Imagem

Imagem

Select Language

domingo, 6 de novembro de 2011

A literatura de Ian "MaCabro" no cinema

Quem é que não se lembra de alguma história macabra que foi contada na nossa infância, e que nos assombrava nas noites frias, e nos fazia encolher debaixo dos cobertores, mal conseguindo respirar de tanto medo e pavor? Quem viveu a infância no interior, bem sabe do que estou falando. Sempre “rolava” uma história de alguém que foi enterrado vivo, de um porão mal assombrado onde alguém jazia morto, ou de alguma “alma penada” que perambulava pelas noites de lua cheia a procura do seu algoz.

“Frankestein” e "Drácula" povoaram o meu universo de menina, e já adulta, continuei a me fascinar pela literatura gótica. E o cinema também não se cansa de investir nesse universo do sobrenatural, do gótico, do horror que fascina.

O célebre escritor britânico Ian McEwan começou a sua carreira literária, tomando “emprestado” fórmulas dos romances góticos famosos no século XVIII e XIX, mas sempre inseridas num contexto contemporâneo.

A literatura gótica surgiu no final do século XVIII, na Inglaterra, e tinha como característica elementos ligados ao imaginário sobrenatural, profecias e maldições em meio a castelos medievais, com personagens melodramáticos, associados sempre a devassidão sexual, a loucura e a deformação de corpos. Edgard Allan Poe e o Marquês de Sade são nomes famosos do universo gótico (este retratado no cinema em “Os contos proibidos do Marquês de Sade”, com o ótimo ator Geoffrey Rush, no papel do escritor libertino).

Como exemplo de filmes, baseados em romances com elementos góticos clássicos, já exaustivamente cinematografados pela sétima arte, temos “Frankestein”, “O retrato de Dorian Gray”, “Drácula, de Bram Stoker” (que foi magistralmente cinematografado por Francis Ford Coppola) e “Nosferatu” (veja aqui no blog, na “lista de filmes”, sob o título “vampiros”).

Ian McEwan (às vezes chamado “Ian MaCabro”, por conta dos conteúdos góticos, altamente perturbadores, de suas primeiras obras literárias) tem um estilo próprio e inigualável de escrita, com doses precisas e bem colocadas de suspense, drama e comédia, que convidam o leitor a manter uma leitura ininterrupta, porque prazerosa.

Com uma extensa carreira literária de sucessos (de romance em romance foi mudando seu estilo, saindo do universo gótico), sempre com histórias envolventes sobre intrigas familiares, amores ilícitos e corações partidos em tempos de guerra, é hoje um dos autores preferidos dos diretores, e frequentemente, vem sendo “adaptado” tanto para o teatro como para o cinema.


Por exemplo, no romance “Atonement” (que quer dizer expiação), que foi levado ao cinema recentemente, o escritor discorre sobre a eterna tentativa do ser humano de expiar seus erros – a protagonista, uma aspirante a escritora, passa o resto da sua vida tentando o perdão da irmã, por uma denúncia falsa cometida por ela na pré-adolescência, movida por egoísmo e inveja, que causou enorme sofrimento e dor ao casal que estava então a se formar. No cinema, “Atonement” (“Desejo e reparação” no Brasil) foi filmado em 2007 e protagonizada pela atriz Keira Knightley, e a história que se passa nos anos 30, tem belos cenários com uma riqueza de detalhes e interpretações magistrais dos atores que engrandecem ainda mais a obra escrita do premiado autor.
Numa das suas primeiras obras de sucesso, “O jardim de cimento”, o autor aborda uma história contemporânea e perturbadora, com uma frieza quase mórbida (daí o apelido “Ian Macabre” pela crítica inglesa), com elementos góticos que poderiam parecer inverossímeis à primeira vista,
já que se trata de uma história contemporânea (porém, na vida real, nos deparamos com histórias tão macabras quanto a do seu romance, como a história verídica, que rolou na mídia há pouco tempo atrás, do austríaco que aprisionou e abusou sexualmente da filha, num porão, durante 24 anos).

“O jardim de cimento” foi fielmente adaptado para o cinema na década de 90, com o mesmo título, e conta a história de quatro irmãos (um casal de adolescentes, uma irmã pré-adolescente e o irmão caçula ainda um menino) que vivem com seus pais, isolados em um casarão (todos os parentes já faleceram), em meio a um bairro decadente, quase sem vizinhança ao redor.

Narrada por um dos irmãos adolescentes, a história começa com o jovem relembrando a morte repentina do pai, e como os jovens passam a ter que se virar para sobreviver sozinhos numa casa após a morte dos seus progenitores (após a morte do pai, a mãe vai definhando até vir também a falecer), e se vêem obrigados a não revelar a ninguém sobre a morte da mãe, sob o risco de serem enviados para adoção e a casa ser invadida por estranhos (a casa que agora “abriga” a mãe sigilosamente sepultada por eles).

“O jardim de cimento” foi protagonizado pela atriz Charlotte Gainsbourg (melhor atriz de Cannes por “Anticristo”, e atriz coadjuvante de “Melancolia”, de Lars Von Trier) e foi fielmente adaptado, seguindo a obra literária em todos os seus pormenores, com seus personagens envoltos em acontecimentos bizarros, desejos proibidos e incestuosos e mentes doentias (veja trailer do filme, no final do texto).

Ao ler o romance (ou assistindo ao filme) a reação do leitor é estarrecedora, de atração e repulsão ao mesmo tempo, pelas passagens e acontecimentos bizarros envolvendo sexualidade, incesto e corpos em decomposição (descritos com tamanha frieza e certo distanciamento pelo escritor, na “pele” do jovem narrador) que deixam os leitores atônitos e perplexos. Mas o autor consegue fazer parecer que tudo que acontece àqueles jovens irmãos não poderia ser diferente, que não havia outra saída para eles, aquele destino estaria fatalmente traçado, para aquelas crianças solitárias e perdidas num mundo cruel e desumano de adultos mais solitários e perdidos que eles.

O romance de guerra “O inocente” foi cinematografado na década de 90 e protagonizado por Anthony Hopkins e Isabella Rosselini, e o sinistro romance “The comfort of strangers” (no Brasil “Estranha sedução”) tem Christopher Walken como ator principal, numa bizarra história de sadomasoquismo.

“Enduring love” (no Brasil “Amor para sempre”, cinematografado em 2004 e protagonizado pelo ator Daniel Craig), já distante do universo gótico (como já disse, essa característica foi mais explorada no início de sua carreira), o autor conta a história de dois estranhos envolvidos em acontecimentos trágicos que os unem (e os afastam).

O celebrado escritor “macabro” Ian McEwan já foi agraciado com o merecido Whitbread Award de 1987 (o prêmio atualmente mudou de nome para Costa Book Award) pelo romance “The child in time” (no Brasil, “A criança no tempo”), e foi o vencedor do Booker Prize de 1992 por “Black dogs” e novamente em 1998 por “Amsterdam”.

Outro belo romance contemporâneo intitulado “Na praia” (“On Chesil Beach”) está sendo adaptado desde o ano passado, pelo próprio autor, para a telona, e retrata as lembranças de um homem maduro que recorda um amor vivido na adolescência e a separação definitiva do casal, em crise sexual e conjugal, que eclodiu durante a viagem de núpcias numa praia britânica (no final do texto, assista o próprio Ian McEwan lendo trechos desse seu romance numa entrevista, em Londres, em 2007).

O último sucesso literário do autor, publicado em 2010 e intitulado “Solar” retrata a preocupação atual do escritor com o aquecimento global e os destinos do planeta, num “thriller ecológico” que mistura suspense e um “quê” de comédia.

É uma pena que as novas gerações sejam tão avessas aos livros e à literatura. Não sabem o que estão perdendo, pois a leitura dos romances de Ian "MaCabro" é extremamente prazerosa, além de instigante e algumas vezes aterradora. Mas o cinema muitas vezes consegue transpor o universo da escrita para a telona com o mesmo primor.  E cinema não é só entretenimento (para rir e se divertir, o lugar certo é o circo). Cinema é principalmente cultura, e não é a toa que é hoje considerada "a sétima arte". Assim, esperemos por mais Ian no cinema em breve.

Em tempo:
Segundo o último censo demográfico do país, a minha querida cidade de Niterói passou a exibir, em primeiríssimo lugar, a maior renda domiciliar per capita do Brasil, tornando-se o município com a maior proporção de ricos do país - 31% da população da cidade fluminense pertence a classe A (segundo a revista Veja dessa semana). Ou seja, somos os mais ricos em posses materiais, falta melhorar a riqueza cultural (eu faço minha parte, com o meu blog, dando dicas de boa leitura e filmes de qualidade), pois um povo culto é, e sempre será, um povo livre.







]










Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...