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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Lars von Trier: esse é para cinéfilos

Aproveito mais uma polêmica em torno do cineasta dinamarquês Lars Von Trier para falar desse gênio do cinema europeu – para quem não soube, o irreverente diretor, mais uma vez, “tocou terror” no Festival de Cinema de Cannes, agora em meados de maio. A entrevista polêmica girou em torno de uma declaração do cineasta, ao brincar dizendo que “achava que era judeu”, mas depois “se descobriu” descendente de alemão, e por fim disse que Israel é “um pé no saco” e ironicamente declarou-se “nazista” – ele é conhecido por seu humor negro, irônico e irreverente, e “os puritanos", ditos "politicamente corretos” não costumam entender esse tipo de humor – foi o suficiente para ser expulso do festival, mesmo tendo, seu novo filme “Melancolia”, dado a Kirsten Dunst o prêmio de melhor atriz de Cannes.

As palavras do cineasta em Cannes:
"A única coisa que posso dizer é que pensei ser judeu por um longo tempo e era muito feliz em ser judeu....mas acabou que eu não era mais judeu. Se eu fosse judeu, seria de segunda geração, mas seja como for, eu realmente queria ser judeu - e então descobri quer era nazista porque minha família era alemã. E isso também me trouxe certo prazer. Então o que dizer? Eu entendo Hitler. Acho que ele fez coisas erradas...Ele não era o que poderíamos chamar de um bom sujeito, mas eu o entendo bastante e simpatizo com ele. Mas esperem aí! Eu não sou a favor da 2ª guerra mundial. E não sou contra judeus. Sou a favor deles, mesmo que Israel seja um pé no saco. Como escapo desta última frase? Tá bom, sou nazista".

“Ame-o ou deixe-o”, mas ignorá-lo jamais – esse dinamarquês completamente “pirado”, foi um dos autores do “Dogma 95”, manifesto de cineastas que visava resgatar o cinema como era antes da exploração comercial, fugindo assim do padrão dito “hollywoodiano” (com sua visão “Oscarizada” e seus clichês), e as idéias e regras, que surgiram desse manifesto, são tão controversas quanto os filmes produzidos a partir delas.

Polêmica a parte, dos diversos filmes do cineasta (“Europa”, “Ondas do destino”, “Anticristo”) particularmente, dois filmes,“Dogville” e “Dançando no escuro”, me chamaram a atenção, pois o diretor é de uma genialidade e uma criatividade ímpar. Ele consegue transformar “poeira em ouro”, ou seja, ele usa toda a força e potência do ator, sem nenhum cenário grandiloqüente (tipo “um transatlântico, com casal cafona que afunda no oceano, ao som da não menos brega Celine Dion”, preciso ser mais direta que isso?) e consegue fazer filmes primorosos que, prá quem entende e curte a sétima arte, é de causar inveja, no bom sentido.

Lars Von Trier – um aviso aos “desavisados”, esse diretor não é prá qualquer um, é preciso gostar muito de cinema (e de teatro) prá curtir e entender seus filmes, pois ele é irreverente em todas as suas concepções, seja na escolha do tema que ele aborda, seja na montagem das cenas, ou seja, nada, repito, absolutamente nada que ele crie jamais será singular ou casual.

“Dogville”, estrelado pela Nicole Kidman, aqui já ex-Tom Cruise (fez-lhe bem a separação, vem crescendo extraordinariamente como atriz, mais uma que saiu “da sombra” do parceiro, ao virar ex – isso é uma praga mundial?) numa atuação excepcional, prá lá de complexa. E tem também a veterana e excelente atriz Lauren Bacall e o ótimo James Caan (o Sonny de "O poderoso chefão") no elenco.

O filme é uma verdadeira piração que, literalmente, só funciona se o espectador “comprar a brincadeira do diretor” e ir até o fim. Explico o porquê a seguir: o filme, um verdadeiro teatro filmado (ao melhor estilo a “la  Bertold Bretch”), é dividido em capítulos (que são apresentados como se fosse um livro), contada por um narrador (a voz é do ótimo ator inglês John Hurt), com uma voz envolvente que soa propositadamente irônica.

E pasmem, praticamente não há cenário, este se resume a uns poucos móveis, o resto são jogos de luz e marcas no chão de um grande ambiente neutro (como a planta baixa de uma casa), chegando ao cúmulo de até o cachorro ser um contorno de giz no chão (como se vê em cenas de um crime),

mas tudo “funciona” ali, o cachorro (ou o contorno de giz em forma de cachorro) late, as portas (inexistentes) são “abertas’” pelos atores e, inclusive, rangem. Paranóia total? Parece, mas como eu disse, se você “comprar a brincadeira”, em pouco tempo, como em um livro sem paisagens, o espectador vai “montando” seu próprio cenário,

e logo, logo, você vai estar “vendo” as montanhas rochosas dos EUA, (onde se passa a história), vai “ver” as casas e todo o vilarejo (da época da grande depressão americana), vai sofrer com a (e torcer pela) personagem da Nicole Kidman, fugida de mafiosos e indo parar nas garras dos habitantes daquele fechado, preconceituoso e decadente vilarejo (a cena, em que ela é estuprada, é de uma piração total, pois só há “paredes” invisíveis, separando a casa da rua, por onde passam os demais habitantes da vila).

E o diretor, genial como sempre, coloca no final do filme, um cachorro real, sobre a marca de giz que o representa, “enganando” o espectador, que acaba se perguntando se era real ou ainda era produto da própria imaginação. Veja, no final do texto, a crítica de Marcelo Janot sobre “Dogville” no “cult movie” e assista o cantor andrógino David Bowie interpretando uma das músicas do filme (“Young american”, gravada no Rio, no sambódromo, em 1990).

Alguém, um dia, definiu assim o cineasta: “Com Lars, definitivamente, menos (cenário) é mais (cena)”. O filme “Dançando no escuro” – aqui Lars filma uma tragédia musical, triste, muito triste, mas repleta de extrema poesia – a cantora e compositora Bjork (a que foi receber o Oscar de melhor atriz, vestida de “ganso”, mais irreverente impossível), cujas músicas foram feitas exclusivamente para o filme, incorpora a personagem que, quase cega, precisa correr contra o tempo (está sentenciada de morte) para recuperar a visão do filho que também a perderá.

O filme conta com uma trilha sonora magistral, que acompanha todo o filme, durante os “sonhos dourados” da protagonista, na voz suave e doce de Bjork (que é um alívio para as dores e agruras da personagem e, de tabela, um alívio também para o espectador). A atriz francesa Catherine Deneuve (a eterna “Bela da tarde” dança divinamente, uma homenagem do diretor aos anos dourados de Hollywood) e o ótimo Joey Grey (lembram dele no famoso “Cabaret” com Lisa Minelli? veja no texto “Musicais imperdíveis”) fazem também parte do elenco estelar.

A canção final é a redenção do espectador. Bjork arrebata corações em uma melodia linda, “I’ve seem at all” (que foi escrita em parceria com Thom Yorke,  da banda inglesa "Radiohead"), numa voz suave, doce, em momentos quase infantil, e a seguir poderosa e vigorosa, tomando toda a telona e envolvendo o espectador em uma sensação inesquecível, emocionalmente devastadora.

Resumindo, se você procura apenas um passatempo num filme, esqueça o Lars, a verdade é que ninguém sai ileso de um filme dele. Segundo esse polêmico cineasta, a principal função do cinema é mesmo provocar, e isso ele faz com maestria, causa impacto, mexe diretamente nas entranhas do espectador, coloca-o contra a parede, arranca-o da apatia. Sempre avassalador e arrebatador. Realmente, com Lars, menos é mais.



















segunda-feira, 9 de maio de 2011

Cinema europeu: uma "pincelada" para começar

Costumo dizer que o cinema nasceu na França, migrou ainda “jovem” para a América, e ao voltar para a Europa já havia se tornado “adulto”, livre dos preconceitos e das inseguranças da adolescência, assumindo os riscos e crises existenciais da vida adulta.

O prêmio maior da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Los Angeles, na Califórnia (mais conhecido como “Oscar”), é votado por um colégio de mais de 5000 membros da academia de diversas nacionalidades. Tornam-se eleitores do Oscar todos aqueles profissionais de cinema que tenham ao menos sido indicados uma vez para alguns de seus prêmios. Entre os poucos brasileiros habilitados para votarem estão a atriz Fernanda Montenegro e os cineastas Walter Salles, Bruno Barreto e Fernando Meireles.

O cinema americano ainda é muito “adolescente”, ou seja, ou é muito consumista, muito “comercial”, cheio de clichês (os famosos “enlatados”, voltados para a “massa não pensante”), ou então é muito megalomaníaco e hollywoodiano, e extremamente “Oscarizado”, ou seja, voltado para agradar aos membros do júri do Oscar (claro que não é a regra, e há muitas exceções), com temas sempre politicamente corretos, e de preferência pró-americanos.

Diferente do cinema americano, o cinema europeu tem uma visão mais adulta e madura do mundo, tratando temas diversos, sejam eles  politicamente correto ou não, retratando a vida como ela é, seja ela “feia ou bonita”. O cinema europeu é também sempre muito minucioso e cuidadoso na criação dos seus personagens, muitas vezes a câmara é lenta, como se quisesse focar o íntimo e a alma dos personagens.

Às vezes, no cinema europeu, há poucos diálogos, com tomadas de cenas longas, levando o espectador a se envolver com o íntimo dos personagens, através do seu silêncio e de seus poucos gestos - por isso talvez o cinema europeu não seja para muitos, pois não agrada facilmente, o mundo globalizado quer ação, explosão e pirotecnias, e não pode parar, como o cinema europeu, prá se envolver com a delicadeza dos gestos, com um olhar penetrante ou com um sorriso enigmático.

O cinema europeu em geral já se livrou dos clichês e do politicamente correto, e expõe sem preconceitos temas pesados, muitas vezes difíceis de digerir, como os filmes dos grandes cineastas espanhóis (veja no texto “Almodóvar” na lista de filmes, aqui no blog), dos cineastas italianos como Bernardo Bertolucci, Vitorio de Sicca, Michelangelo Antonioni, Frederico Fellini (vou dedicar um futuro texto só para esses grandes mestres italianos) – temas como pederastia, incesto, e outros temas pesados são sempre abordados com um foco sem preconceitos – apenas se mostra e se expõe personagens da vida real sem se preocupar se politicamente correto ou não - o espectador é que tira a sua própria conclusão sobre o que vai assistir.

Como não dá prá falar de todos, segue abaixo uma pequena lista dos muitos dos excelentes filmes, do passado e do presente (deixo, com já disse, os italianos para um futuro próximo, e também dedicarei um texto a parte ao cinema grego, e os alemães já se encontram bem representados, aqui no blog, na lista de filmes, com “Adeus Lênin”, “A vida dos outros “ e “A experiência”, enquanto o cinema do sueco Ingmar Bergman merece um texto só para ele):

“Paris,Texas, de 1984, é um drama franco-germânico, porém filmado nos EUA, dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders, o mesmo de “Buena Vista Social Club” (veja na lista de filmes “Musicais imperdíveis”) – aqui também o músico Ry Cooder responde pelos temas musicais e apresenta um solo de guitarra (baseado no belo blues “Dark was the night cold was the ground” de Blind Willie Johnson - ouça, no final do texto, literalmente, o "lamento" na guitarra e na voz do músico) que dá o tom melancólico ao filme e é a marca registrada da película.



O filme é um cult e serviu de inspiração para muitos. Por exemplo, uma das muitas curiosidades é a influência do mesmo na concepção do álbum “Joshua tree” do grupo U2 que, segundo o vocalista do grupo, Bono Vox, foi inspirado nesse filme, onde as paisagens desérticas de “Paris, Texas” está claramente refletida nas letras das músicas, assim como nas fotos do álbum (“Joshua tree” é uma espécie de cactus de um deserto da Califórnia que está praticamente extinto) - veja no final do texto uma das músicas do álbum.

"Paris/Texas" conta a história de um homem que, depois de estar desaparecido por anos, é reencontrado pelo irmão numa região desértica do Texas (Paris aqui nada mais é que uma pequena cidade do Texas), próximo à fronteira com o México. Maltrapilho e com amnésia reencontra o filho de sete anos que foi abandonado pela mãe (a bela atriz alemã Natassja kinski). E pai e filho se reaproximam em torno do mesmo desejo de reencontrar a mulher de suas vidas, que será cercado de surpresas e decepções. "Paris, Texas" é notável pelos seus enquadramentos, a fotografia desértica traduz a solidão e o olhar perdido daquele homem em busca de sua identidade.

“Desde que Otar partiu” é um filme francês, singelo, mas muito interessante, sutil na abordagem de temas políticos e sociais da história da antiga URSS, contada através de três mulheres de diferentes gerações (uma mãe, uma filha e uma neta) que vivem juntas na capital da Geórgia, na fronteira da Europa com a Ásia, às voltas com as notícias e cartas do tal Otar do título, um médico da família que foi tentar a vida na bela cidade–luz, Paris. Como é bem comum nos filmes europeus, o ritmo é lento e há pouco diálogo, mas o filme provoca reflexões interessantes, como as relações familiares, os conflitos de gerações e as diferentes formas que as pessoas escolhem para enfrentar suas dificuldades. Um belo filme.

“A festa de Babete” é um  filme dinamarquês que conta a história de uma misteriosa refugiada da guerra civil na França que  chega a um vilarejo na Dinamarca e começa a trabalhar na casa das filhas de um devoto pastor protestante que prega a salvação através da renúncia aos prazeres terrenos para se alcançar os céus. As irmãs sacrificam suas paixões da juventude em nome da fé e das obrigações religiosas, e mesmo muitos anos depois da morte do pai, elas mantêm vivos seus ensinamentos entre os habitantes da cidade. E Babete quebra esse “jejum religioso” oferecendo um luxuoso jantar francês para os humildes moradores, contrapondo a noção de pecado com a idéia de que a felicidade e o prazer podem representar um desabrochar da alma, num prazer sem culpa.

“A leste de Bucareste” é um filme romeno que aproveita o tema da comemoraçção dos  16 anos da queda do ditador Nicolae Ceausescu, para realizar um filme com um humor sutil, aliado à crítica política num filme inteligente e cheio de ironia. O produtor de um programa de entrevistas da televisão de uma pequena cidade na Romênia quer saber se a derrubada de Ceaucescu foi causada pela mobilização popular ou se esta só aconteceu depois da fuga do ditador, e assim convida, na época do natal, um velho aposentado e um professor de história para um debate ao vivo. O cenário, em tempo quase integral, é o estúdio de uma TV onde o programa, com participantes e linha aberta aos espectadores, debate o assunto de “transcendental importância”.

“A filha de Ryan” é um filme britânico de 1970 do gênero drama, dirigido por David Lean (o mesmo de "A ponte do Rio Kwai", "Dr Jivago" e "Passagem para a Índia"). O filme passa-se numa pequena aldeia da Irlanda, durante a primeira guerra mundial. A filha de Ryan é uma mulher casada com um pacato professor da aldeia, mas que não consegue desistir da sua avassaladora paixão por um atraente oficial inglês, e assim é vista com maus olhos pelos preconceituosos moradores do pequeno vilarejo.

Antecipo aqui nesse texto um sucesso do cinema italiano, do diretor italiano Gabriele Salvatore. Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 1992, o filme “Mediterrâneo” conta a história de oito soldados italianos que, durante a 2ª Guerra Mundial, são deixados em uma ilha, aparentemente vazia, em pleno mar grego, com a missão de defender o lugar contra uma possível invasão inimiga.

Porém, a ilha não está deserta e quando os habitantes do local percebem que os soldados italianos são inofensivos, saem de seus esconderijos nas montanhas para dar seqüência às suas pacíficas vidas, e os soldados esquecidos da guerra vão aprender muito mais que bombas e estilhaços com os habitantes daquela paradisíaca ilha. “Mediterrâneo” é um belo filme carregado de paixão pela vida, com uma mistura de humor, belas fotografias e uma ótima trilha sonora. Imperdível.














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