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domingo, 22 de agosto de 2010

As cores de Almodóvar

Fico impressionada quando, ao assistirem a um filme, muitos não se interessem em desvendar o que rolou por trás das câmeras, que influências levaram o diretor a abordar aquela temática por um certo ângulo, quais as motivações que o fizeram escrever aquela história por aquele prisma.

Muitos cineastas sofrem influências de suas próprias vivências, seja política, cultural, familiar, muitos fazem referência autobiográfica, às vezes toda a vida do cineasta  está retratada na película, e conhecer essas nuances enaltece e enriquece o filme, e faz com que nos aproximemos ainda mais da verdadeira motivação que levou o cineasta a gravar determinada cena daquele jeito todo peculiar.

Os grandes cineastas espanhóis, por exemplo, sofreram direta ou indiretamente influência de toda uma ditadura, a do caudilho Franco, que influenciou também outras artes como a do pintor Salvador Dali e a do escritor Garcia Lorca. Ninguém passa impune por uma ditadura, ainda mais uma que durou cerca de 40 anos.

Luís Buñuel teve sua carreira reconhecida internacionalmente com sua “Bela da tarde” Catherine Deneuve, filmado na França, pois o ditador proibiu e dizimou todas as expressões de arte na Espanha. O “Discreto charme da burguesia” e  “Esse obscuro objeto do desejo” denunciavam a extravagância e a hipocrisia da sociedade da época. Buñuel, mesmo fora da Espanha, influenciou a carreira de Carlos Saura e do contemporâneo Pedro Almodóvar.

Saura, outro famoso cineasta espanhol e seu sensível e tocante “Cria cuervos” - o título do filme vem de um provérbio espanhol “cria corvos e eles te arrancarão os olhos” - o filme, rodado na década de 70, retrata a vida de Ana e seus “fantasmas”, e se olharmos com cautela, veremos que o "sufrágio" que o filme aborda em relação a “orar pelos mortos” pode ser um paralelo a outro significado da palavra que é o “direito ao voto” (numa alusão ao fim da ditadura de Franco, pois o filme foi rodado enquanto o caudilho agonizava no seu leito de morte) e Ana, sua avó e sua mãe retratam a Espanha, o passado e o presente franquista decadentes, sob o olhar assustado (da menina e mulher Ana) mas esperançoso no futuro.

“Cria Cuervos”, “Ana e os lobos”, e o divertido, ácido e politicamente incorreto “Mamãe faz 100 anos”, trazem Geraldine Chaplin, então mulher do cineasta e filha de Charles Chaplin, em excelente atuação. “Bodas de sangue” do livro homônimo de Garcia Lorca, “Amor bruxo” e o ótimo “Carmen” (com participação do músico Paco de Lucia) completam  a trilogia de Saura, homenageando a sensualidade da música e a “caliente” dança flamenca (segundo “experts” em flamenco, tudo o que é preciso  para iniciá-la é uma voz e acompanhamento rítmico, como palmas ou golpes dos pés no solo, e Saura dirige o musical divinamente).

E finalmente Pedro Almodóvar, o mais famoso cineasta espanhol da atualidade, homossexual assumido, irreverente, seu cinema é original, extravagante e ousado, com forte componente autobiográfico. Almodóvar é um grande contador de histórias, muitas delas vivenciadas na sua infância pobre e humilde, também marcada pela ditadura de Franco que fechou as escolas de arte, impedindo Almodóvar de estudar cinema, tornando-se um aprendiz na prática de seu dom maior.

A câmera de Almodóvar é sempre frenética, descambando para o trash e para o kitsch, com temas sempre polêmicos, avivados por cores vibrantes e berrantes (tão marcantes que Adriana Calcanhoto compara as cores vibrantes das telas de Frida Kahlo com as fotografias berrantes do Almodóvar, na música “Esquadros”). Despudorado, politicamente incorreto, ácido, muitas vezes quase em tom de denúncias de situações que ele próprio vivenciou na sua infância pobre, como questões envolvendo religião, família e moral.



O universo de Almodóvar norteia por temas nem sempre fáceis de assimilar e digerir, como sexo bizarro, pederastia e incesto, mas que acabam ligeiramente “suavizadas” pelo seu jeito “cômico” e melodramático de filmar tragédias. Para total deleite do espectador lá estão sexo, obsessão, crimes, tragédias, ciúmes, voyeurismo, tudo abordado de maneira extremamente segura pelo cineasta, sem nunca descambar para o vulgar que, com movimentos de câmera e suas cores vibrantes, frequentes provocações e absurdos irresistíveis, fazem desse aclamado diretor um cineasta ímpar.

Quando o espectador pensa que não mais vai se surpreender com a câmera do Almodóvar, lá vem ele com reviravoltas na trama deixando o espectador boquiaberto com os acontecimentos inesperados, e ainda assim incrivelmente factíveis. Seus personagens são sempre simpáticos e cativantes, e seus atores são em geral “apaixonados” por eles (e pelo diretor) que, mesmo a maior bizarrice e grosseria, acabam parecendo natural, espontânea.

“Carne trêmula” (com a sua musa Penélope Cruz) é magistral, frenético, sensual e estão lá as cores de Almodóvar marcando sua direção, o preto, o vermelho e o amarelo, sempre berrantes, quase ofuscantes. Em “Má educação” Almodóvar norteia os caminhos dos seus personagens marcados por tragédias infantis envolvendo pederastia, homossexualismo e religião, num filme quase autobiográfico.

E não pare por aí, veja os antigos “Ata-me” (com Antônio Bandeiras e Victoria Abril), “Kika, Mulheres à beira de um ataque de nervos”, e os mais recentes “Tudo sobre minha mãe”(esses dois últimos Oscar de melhor filme estrangeiro), “Fale com ela” e  “Volver” (também com Penélope Cruz) e o mais recente "Abraços partidos".









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