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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Coisas que valem a pena viver

Numa das cenas de "Manhattan", excelente filme em preto e branco do Woody Allen, o ator/cineasta pensa em se suicidar, mas antes decide enumerar, numa lista, coisas que valem a pena viver, e a lista inclui livros de Flaubert, filmes dos irmãos Marx (ele é fã incondicional do Groucho Marx, assim como eu também), filmes suecos (particularmente os do grande Ingmar Bergman), Louis Armstrong (o famoso jazz “Potato head blues” presente em vários filmes dele) e eu incluo aqui os filmes do próprio Woody Allen.

A maioria dos filmes desse irreverente cineasta é semi-autobiográfico, por mais que ele diga que não, mas ele sempre expõe em seus filmes, todos os tiques “neuróticos e nervosos” que ele carrega (e nós também, por que não?), fruto dessa atual sociedade contemporânea, mostrando nos seus personagens toda sua neurose hipocondríaca habitual, sua angústia diante  da incógnita existência, seus complexos e traumas existenciais, sexuais, amorosos e emocionais, tudo sempre com uma genialidade e uma visão cômica e satírica, num estilo próprio até hoje inimitável.

Diretor, roteirista e astro principal da maioria de seus filmes, com uma “veia cômica” sem igual, suas tiradas são sempre sutis, prá lá de espirituosas, é sempre o “bobo da corte” sem querer ser, engraçado mesmo quando angustiado, declaradamente paranóico, por isso mesmo divertido.

É considerado o único comediante de renome internacional, e ao mesmo tempo visto como um intelectual (e músico saxofonista nas horas vagas nos bares noturnos de Manhattan, fã do Dixieland, o jazz tradicional de New Orleans dos anos 20), abordando nos seus filmes sempre um enfoque narrativo personalista que só era visto até então em diretores europeus.

Allen confessa ter sua arte  influenciada pelo grande cineasta sueco Ingmar Bergman (dos magníficos “Gritos e sussurros”, “Fanny e Alexander”  e tantos outros filmes excelentes, morto há uns dois anos com quase 90 anos) e também sofreu influência dos hilários irmãos Marx, em especial Groucho Marx que, para quem já viu filmes desse fenomenal comediante dos anos 30, percebe nitidamente essa influência na “veia cômica” de Allen.

E a trilha sonora de seus filmes é sempre peculiar, marca registrada do autor, com músicas clássicas, jazz, blues, muitas vezes com a voz de grandes divas do jazz  como Ella Fitzgerald e Billie Holiday como fundo musical de seus dramas e crises existenciais.

“Annie Hall” (“Noivo neurótico, noiva nervosa”), um marco na carreira de Allen, imbatível esse filme, não me canso de rever as cenas antológicas, divertidas, sempre contemporâneas  até hoje (o filme é da década de 70). Inaugurou o “divã do analista” nas telas de cinema, sempre com seus longos diálogos analíticos, em questionamentos filosóficos e existenciais, recheados por uma crítica mordaz e sutil da sociedade contemporânea.

Allen vive um comediante judeu nova-iorquino (qualquer semelhança com o próprio não é mera coincidência), um existencialista angustiado com questões religiosas, hilário ao fazer piadas judaicas quando ele, por exemplo, questiona com o amigo se “deveria confiar num clube que aceite ele, um judeu, como sócio” (na verdade a frase original era do Groucho Marx), com suas crises de meia-idade  e com seus problemáticos relacionamentos amorosos.

O primor desse filme é a grande novidade que ele inaugurou nas telas de cinema, em que o personagem conversa e discute seus problemas existenciais com o público, diante da câmera, como num grande palco de teatro (“as a matter of fact”, Groucho já fazia pequenas tiradas direcionando o olhar para o telespectador), e também por inventar flashbacks “ao vivo” (por exemplo, o personagem adulto retorna à infância e senta na sala de aula, contracenando e discutindo consigo mesmo ainda na tenra idade), o ineditismo para a época ainda continua divertindo até hoje. Maravilhoso, quem não viu, não sabe o que está perdendo (veja cenas do filme no final do texto).

E a lista de filmes maravilhosos segue abaixo (veja alguns trailers no final do texto), com alguns deles (são muitos, não vou conseguir citar todos, muito menos falar deles):

“Tiros na Broadway” – apesar de não atuar no filme, Allen dirige um time de excelentes  atores (John Cusak , do também ótimo “Alta fidelidade”) num filme hilário que mistura gângsters mafiosos e teatro. E em A era do rádio o cineasta homenageia Carmen Miranda e os grandes artistas do rádio e o filme conta com a inédita participação da atriz brasileira Denise Dumont cantando Tico tico no fubá (veja cenas do filme no final do texto)

Os  sensacionais e prá lá de originais “Zelig”, um falso documentário em preto e branco do fictício e hilário Zelig e suas várias personalidades psicóticas, com montagens espetaculares do personagem contracenando com celebridades,  muitas delas já falecidas na época do filme, como John Lennon e Hitler e “A rosa púrpura do Cairo”, a história da telespectadora que entra na telona prá fazer par romântico com o personagem do filme, inaugurando um estilo único,  com a fantasia misturada a “realidade”, depois imitados mais tarde no ótimo “Forrest Gump, o contador de histórias”.

Os sensacionais “Hannah e suas irmãs”, ”Manhattan”(sua maior homenagem  a sua cidade natal, sua grande paixão), “Crimes e pecados”, “Interiores”, “Simplesmente Alice”, “Sonhos eróticos de uma noite de verão”, “Todos dizem eu te amo”, “Match Point” ,“Melinda e Melinda”, “Poderosa Afrodite” e a lista não pára, os mais recentes são“Vicky Cristina Barcelona" e "Tudo pode dar certo" ("Whatever works").

E prá terminar frases do  intelectual existencialista “neurótico e nervoso” sempre questionador do inquestionável, Woody Allen:

"Mais do que nunca na história, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero e à absoluta falta de esperança. O outro, à total extinção. Vamos rezar para escolhermos corretamente." 

“Você pode viver cem anos se desistir de todas as coisas que o fazem querer viver até os cem anos.”






 







2 comentários:

  1. também amo os filmes de Woody Allen, principalmente a Rosa Púrpura do Cairo. Acho que tem um pouco de cada um de nós, "aquela coisa" de nos transportar para um mundo de fantasia, talvez esteja aí a saída para a encruzilhada:o sonho. Será? beijos feliz aniversário Ivany.

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  2. Oi, mana, adorei saber que você está "conectada" no meu blog e nos meus "devaneios", e obrigada pela lembrança do meu "niver".
    Saudades
    Beijos
    Rosemery Nunes

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