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terça-feira, 3 de novembro de 2009

"A alma imoral"

O rabino Nilton Bonder, em seu livro intitulado "A alma imoral", nos surpreende com o conceito de que a alma é transgressora, e é ela (e não o corpo), imoral em sua concepção, que rompe com conceitos e preconceitos enraizados em nossa consciência. 

Me senti embriagada pela leitura, quase uma "revelação divina", pois me parecia ter encontrado ali as respostas aos porquês de tantas indagações que sempre fiz pela vida afora, as respostas para tantos paradigmas, tradições, contradições, conceitos morais, amorais e imorais (para mim, o único livro "revelador" que tinha lido até então tinha sido "O 2º sexo", de Simone de Beauvoir).

A leitura das famosas passagens da Bíblia (que li e reli quando menina) e que sempre me fascinavam e me intrigavam ao mesmo tempo estavam todas ali  meus pais compravam coleções ilustradas da "Bíblia Sagrada" com imensas e impressionantes (e impressionáveis) gravuras do Éden, Adão e Eva amaldiçoados por uma serpente, o mar Vermelho se abrindo para dar passagem aos hebreus em fuga, a mulher transformada em estátua de sal, etc.

E de repente, todas aquelas parábolas, agora revisitadas pelo rabino, sendo comparadas aos dias atuais, com a nossa atualidade, com o nosso dia a dia, nossos erros e acertos nos relacionamentos interpessoais, nossa alma totalmente desnudada, sem malícia e sem pudor. 

O bom e o correto, o mau e o errado... e de repente, o correto que nem sempre é bom, e o errado que nem sempre é mau... a traição à tradição, e a alma em sua proposta evolutiva que desobedece e transgride (por isso "imoral") e que, consequentemente, não se trai a si própria. 

Numa das parábolas, a dos judeus fugindo do exército egípcio (em busca da terra prometida, encurralados diante do mar Vermelho e atrás deles o exército), o autor compara esse episódio bíblico com os processos de mudança que ocorrem na nossa vida, o nosso corpo questiona a "sensatez" da alma, que por sua vez impõe uma "caminhada" que, para o corpo, parece ser um enfrentamento intolerável, com uma barreira aparentemente intransponível. 

O rabino explica: o Egito tinha sido "um lugar amplo", mas agora tinha se tornado um "lugar estreito", o povo judeu precisava se libertar e sair em busca da terra prometida, e agora o imenso mar os separava do futuro e o passado lá atrás já não era o melhor lugar. Segundo a Bíblia, o povo judeu, diante da incerteza, se dividiu em quatro acampamentos de acordo com suas escolhas: o primeiro quer voltar, o segundo quer lutar, o terceiro quer jogar-se ao mar e o quarto mobiliza-se em oração.

E qual a melhor escolha? Voltar pro Egito? (pro passado? aceitar ser escravo do lugar estreito?) Lutar contra os egípcios? (numa alusão de que o lugar estreito irá se ampliar à força?) Jogar-se ao mar? (desistir de tudo? do passado e do futuro?) Rezar? (para aceitar o lugar estreito, fingindo que ele tornou-se amplo?)

No livro, o rabino mostra que, também na nossa vida (sentimental, profissional, familiar, etc) tendemos a assumir um dos quatro "acampamentos", quando nossa alma anseia por sair de "algum lugar estreito" que um dia até foi amplo, mas que agora nos oprime.

Então qual a melhor escolha? Qual dos quatro "acampamentos" seria o mais adequado quando estamos, por exemplo, num relacionamento afetivo "estreito" que já não nos preenche a alma? Segundo o rabino, nenhum dos quatros acampamentos é a reposta certa, para a alma imoral, para o futuro. 

Ele explica isso através de outro acontecimento nesse episódio bíblico, quando Deus manda uma ordem para Moisés: "Diga a Israel que marche". Mas o povo receoso se dividiu nos tais acampamentos. Eis que, segundo o Talmud, um judeu que não sabia nadar, começou a adentrar as águas do mar, e só quando não dava mais pé, com a água já lhe alcançando as narinas, é que as águas do Mar Vermelho finalmente se abriram, no episódio conhecido por todos nós.

Numa alusão ao que acontece na nossa vida, o futuro só se desponta no horizonte, se acreditarmos nele; enquanto acharmos "que dá pé", ficamos estacionados num dos quatro "acampamentos" e não evoluímos: ou ficamos escravos (1° acampamento) de um relacionamento, ou tentamos "brigar" (2° acampamento) achando que vamos mudar nosso parceiro, ou então desistimos e "entregamos" os pontos (os suicidas) ou então apenas rezamos (como no "4° acampamento"), acreditando que vamos nos adaptar àquele relacionamento fracassado.

Segundo o rabino, o correto é partir, "marchar" sem olhar para trás  vai ter uma hora que parece que vamos nos afogar (tal o sofrimento após o rompimento da relação), com água já no nariz, mas se insistirmos na "caminhada", a alma, enfim liberta, nos guiará pelo caminho seco de uma margem a outra e o futuro se abrirá à nossa frente. 

O que não existia passa a existir e um novo lugar amplo se faz acessível. Esse profundo ato de confiança em si mesmo e no processo evolutivo da vida garante a passagem pelo aparente vazio que, magicamente, se concretiza em "chão" sob nossos pés.

"A alma imoral", um livro cujo texto amoral põe o mundo moral abaixo, ao expor a alma em sua forma transgressora e imoral. Necessário. Revelador.

Em tempo: abaixo crítica da peça teatral, de mesmo nome, adaptada pela atriz Clarice Niskier. A atriz está perfeita em cena, num monólogo despido de pudores, em que se apresenta totalmente nua (se cobre em vários momentos com apenas um pano preto transparente que lhe serve de vestimenta nos diversas passagens da história da humanidade), numa alusão de que o corpo é amoral, e imoral é a alma. 

Eu assisti a peça e ninguém resiste, todos sem exceção aplaudem de pé ao monólogo instigante e intrigante. Vale a pena assistir. Não perca, a atriz está circulando todo o Brasil com o monólogo, e deve retornar ao eixo Rio-São Paulo em breve.







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